

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 20, n. 79, p. 181 - 203, Maio/Agosto. 2017
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progredir de um escalão superior para um escalão inferior”, é processual,
e, por ser processual, ela engloba fases ou momentos, que, embora distin-
tos entre si, e não necessariamente ocorrentes os seguintes findos os ante-
cedentes, são parte da criação do Direito. Assim, a criação do Direito não
se exaure com a Constituição, nem com a lei infraconstitucional, nem
com as normas regulamentadoras, ela consuma-se parcialmente a cada
fase ou momento, exaurindo-se com sua execução pelo Poder Executivo
e, especialmente, pela decisão judicial com trânsito em julgado, a qual
pode até mesmo reinterpretar e dar nova aplicação ao Direito anterior-
mente aplicado pelo Poder Executivo e pelo Poder Legislativo. A criação
do direito não implica em Direito novo
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, mas apenas em um progredir
dessa criação. Cada órgão aplicador do Direito atua em uma parte da ca-
deia produtiva na norma jurídica. A criação do Direito, portanto, é uma
cada vez mais precisa fixação do sentido e do alcance da norma jurídica
por um ato de sua aplicação.
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Os atos de vontade e de criação do Direito são desdobramentos do
ato de aplicação do Direito. Ao aplicar o Direito, o órgão aplicador do
Direito realiza um duplo poder a ele atribuído, o de determinar a outrem
um certo comportamento (um ser) – ato de vontade –, e o de vincular tal
comportamento ao Direito (um dever) – ato de criação do Direito.
Quanto à relação entre a pureza do Direito e sua interpretação, ques-
tiona-se uma interpretação pura do Direito, uma vez que, sendo a aplicação
do Direito uma escolha entre várias possibilidades, “não haveria também
voluntarismo da determinação da moldura?”
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A pureza de que fala Kelsen refere-se a uma interpretação e a uma apli-
cação do Direito que considera exclusivamente – portanto, sem nenhuma
influência extrajurídica – o Direito positivo. Nesse passo, a interpretação,
como ato de conhecimento, ao realizar-se, o faz tomando por critério apenas
o Direito positivo, não importando o que um conhecimento sobre a moral
ou sobre a justiça possa inferir a respeito do texto normativo a interpretar,
mas sim do ponto de vista do Direito, qual a interpretação a que se pode
chegar de tal texto. Ainda nesse passo, a aplicação, como ato de vontade, ao
realizar-se, o faz do mesmo modo.
49 Kelsen chama a atenção para a possibilidade de, na aplicação do Direito, ocorrer a criação de Direito novo, “especial-
mente pelos tribunais de última instância”. Op. cit., p. 395.
50 Sem a aplicação, isto é, sem o ato de vontade do órgão aplicador do Direito, não há criação jurídica, apenas interpre-
tação do Direito.
51 BENJAMIN; SOUZA, op. cit., p. 147.