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R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 20, n. 79, p. 181 - 203, Maio/Agosto. 2017

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que não possui nenhuma força vinculante, e, portanto, não tem nenhuma

validade. Do lado desse sujeito interpretante, tal interpretação não o força,

ordinariamente, a repeti-la, nem lhe confere o direito de exigi-la de outra

pessoa. Sua interpretação é efêmera, sua força vincula-se somente àquela

situação em que ocorreu. Um comerciante oferta um dado produto por um

preço, sobre o qual incidirá um certo desconto progressivo (mas limitado)

para pagamento à vista, para o caso de um cliente comprá-lo em grupos de

cinco unidades. Um certo cliente compra dois grupos, recebe o desconto

ofertado, mas negocia um parcelamento, argumentando que está levando

outros produtos, e aquela será uma ótima venda para o comerciante. Este

aceita a oferta do cliente. Tal aceite encerra-se nessa compra. Ele não vincula

o comerciante a vender o produto sob oferta para outro cliente, ainda que

nas mesmas condições, nem ao cliente beneficiado em uma próxima com-

pra. Aqui há duas interpretações por parte do vendedor. Uma diz respeito à

repetição da benesse, a qual foi concedida para aquela primeira venda, o que

não criou um direito para aquele comprador. A outra diz respeito a tal ser

exigido por outra pessoa que se encontra nas mesmas condições, porque, no

entendimento do comerciante, foi um acordo particular entre ele e aquele

certo comprador. Ainda, mesmo que não pensado pelo comerciante, ele não

pode exigir do comprador, mesmo em iguais condições, que este, quando

ambos encontrarem-se em papéis trocados, tenha o mesmo comportamento,

isto é, a mesma interpretação do fato jurídico em relação a ele.

A interpretação que se realiza pela ciência jurídica “é pura determina-

ção cognoscitiva do sentido das normas jurídicas[, ela] não pode fazer outra

coisa senão estabelecer possíveis significações de uma norma jurídica”.

34

A

interpretação feita pelo cientista jurídico, seja como descritor, seja como

argumentador, não possui nenhuma força vinculante, e, portanto, não tem

nenhuma validade.

Sua interpretação diz apenas o que o Direito é ou o que o Direito po-

deria ser. Sua função é meramente orientadora. A partir dela o sujeito a quem

cabe cumprir a norma jurídica pode orientar-se sobre como proceder, como

se comportar quando em uma dada situação jurídica; também o aplicador do

Direito pode orientar-se a respeito da melhor decisão a tomar quanto à apli-

cação do Direito. Mas em ambos casos ela não vincula nem o cientista, nem

quem deve cumprir a norma interpretada, nem o aplicador do Direito (quanto

a este, ordinariamente, salvo se a tiver adotado em uma decisão jurídica).

34 KELSEN, op. cit., p. 395.