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R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 20, n. 79, p. 181 - 203, Maio/Agosto. 2017

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Mas, como questionado, até que ponto na interpretação e na aplica-

ção do Direito há uma objetividade? Como se saber se órgão aplicador do

Direito, nesses processos, agiu objetivamente e não segundo um querer seu,

uma voluntariosidade do órgão aplicador do Direito?

4.2. Resposta à lacuna jus-interpretativa de Hans Kelsen: a impureza

da interpretação do Direito.

Em Kelsen, a pureza de sua teoria, aqui especialmente em relação à in-

terpretação e à aplicação do Direito, deixa (pelo menos) uma lacuna, relacio-

nada à possibilidade de haver por parte do órgão aplicador do Direito uma

voluntariosidade ideológica, a qual afetaria tanto seu ato de conhecimento

quanto seu ato de vontade, ou, tanto sua formação da moldura quanto sua

escolha dentre as possibilidades jurídicas dentro dessa moldura.

“A ideologia é sempre uma visão a respeito de umobjeto dado.”

52

Ela cons-

titui-se na “relação imaginária dos sujeitos com suas condições de existência”.

53

Ordinariamente, nós não nos damos conta de que as interpretações

que as pessoas realizam diariamente estão impregnadas de ideologia; todavia,

há vezes em que essa interpretação ideológica é propositada, o sujeito inter-

pretante tem consciência de que sua interpretação está previamente orienta-

da, daí sua voluntariosidade.

A criação do Direito (processo que se inicia com a interpretação da

norma de um escalão superior e que vai até seu exaurimento pela fixação de

seus sentido e alcance, portanto, sua positivação concreta) é uma concreti-

zação de uma ideologia jurídica. Essa ideologia, contudo, nesse processo de

“criação” do Direito, sofre influência de outras ideologias, principalmente

das ideologias que assujeitam o órgão aplicador do direito. Todavia, esta

pode afastar-se de uma ideologia jurídica voluntariosamente, isto é, ele pode

intencionalmente não interpretar, mas

dar

uma interpretação com base em

seus preconceitos.

54

Esse “dar” caracteriza-se por uma escolha pessoal em

lugar de uma escolha jurídica ou de outra natureza externa ao querer; mais

de acordo com a voluntariosidade do sujeito interpretante.

É certo que a proposta de interpretação de Kelsen é insuficiente para,

somente a partir do Direito, fixar o sentido e o alcance da norma jurídica.

52 BASTOS, op. cit., p. 85.

53 ORLANDI, op. cit., p. 153.

54 Sobre o preconceito, cf. GADAMER, Hans-Georg.

Verdade e método II: complementos e índice

. Tradução de

Enio Paulo Giachini; revisão da tradução de Marcia Sá Cavalcante-Schuback. Petrópolis: Vozes, 2002, p. 213-214.