

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 20, n. 79, p. 181 - 203, Maio/Agosto. 2017
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to, e criam-no pela interpretação das normas jurídicas superiores à ordem
normativa que criam.
Essa atribuição de poder por uma norma superior constitui-se no
fundamento objetivo do ato de vontade como norma jurídica.
23
Um ato de
vontade, entendido como aquele que pretende atribuir a outrem um deter-
minado comportamento, tem, nessa pretensão, seu aspecto subjetivo, aquilo
que expressa um querer de alguém em relação a outrem. Esse ato, contudo,
somente transmuta-se em um dever-ser, em uma obrigação, se, e somente se,
há um fundamento anterior e superior que assim o autorize. Mas isso não
basta para que lhe seja atribuído o sentido de um dever-ser jurídico. O dever
(dever-ser) de prestar auxílio ao próximo que decorre de uma norma moral
ou religiosa é apenas um dever não obrigacional, porque não vinculado a
uma norma jurídica que o determina como tal.
24
Esse mesmo dever, uma vez
amparado por um ato de vontade jurídico, torna-se um dever-ser jurídico
quando amparado por uma norma jurídica.
25
Esse fundamento anterior e
exterior ao próprio ato de vontade é o seu aspecto objetivo.
3.3. A relação entre norma e interpretação.
26
Duas pessoas (maiores e capazes) estabelecem entre si o seguinte vín-
culo: a pessoa A encarrega-se de vincular-se a outras pessoas para fazerem
turismo em uma certa cidade, e a pessoa B encarrega-se de transportar tais
pessoas e A até lá. Isso é um fato no mundo, mas, pelo menos por enquanto,
não é um fato jurídico.
A vinculação que existe entre A e B é, até aqui, apenas decorrente
de um ato de vontade subjetivo. O fato até aqui corresponde a um acordo
subjetivo ocorrido entre amigos que combinam de ir à praia passar o dia.
O vínculo obrigacional entre eles, até aqui, é meramente moral. A partir do
instante em que esse vínculo encontrar-se referido por uma norma jurídica,
então essa obrigação será um dever-ser jurídico, porque encontrará em tal
norma um ato de vontade objetivo, o qual é externo ao ato de vontade sub-
jetivo estabelecido entre eles como destinatários dessa norma.
O que faz a vinculação jurídica, obrigacional, entre essas pessoas não
é simplesmente a existência, de um lado, de um fato no mundo e, de outro
23 KELSEN, op. cit., p. 1.
24
Exemplo extraído de KELSEN, op. cit., p. 9.
25
No Direito brasileiro, é exemplo disso o art. 135 do Código Penal, que tipifica a omissão de socorro.
26
Ibidem, p. 4-5.