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R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 19, n. 76, p. 94 - 102, out. - dez. 2016

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decida sobre o tratamento médico que deseja seguir. A interferência do

Estado, neste caso, seria considerada arbitrária, pois comprometeria as

liberdades individuais protegidas pela Constituição. E foi nesse sentido

que o Tribunal se manifestou, ao entender, corretamente, que o paciente

não estava obrigado a passar pela intervenção cirúrgica.

O MP havia justificado seus argumentos em nome da prevalência

do direito à vida, no sentido de que o paciente deveria ser obrigado a

passar pela cirurgia por meio da intervenção do Estado. É importante res-

saltar que, num Estado Democrático de Direito, o Estado não está autori-

zado a interferir em todo tipo de decisão tomada pelo indivíduo. Por mais

“bem intencionada” que fosse a ação do MP – e todos nós conhecemos

muitas catástrofes na história movidas por “boas intenções” –, exigir uma

intervenção indevida do Estado nas liberdades individuais é sempre uma

pequena abertura para o autoritarismo. Se o Estado se coloca, dentro das

limitações constitucionais, como garantidor e protetor da vida; por outro

lado, esta atuação garantidora e protetora da vida não pode ser confun-

dida com uma imposição da prática da distanásia. Quando um indivíduo,

maior de idade e em pleno gozo de suas faculdades mentais, deseja a

morte no seu devido tempo (morte natural), para não prolongar seu sofri-

mento por meio de tratamentos inúteis, que apenas aumentariam o peso

de sua dor, o Estado não pode obrigá-lo a se tratar.

Os desembargadores apresentaram uma resposta constitucional-

mente adequada neste caso, ao reconhecerem que não existe a obrigação

constitucional de viver e que, portanto, a intervenção do Estado causaria

um constrangimento ilegal na vida do paciente. Nesse sentido, de acordo

com o voto do relator:

Resumindo, o direito à vida garantido no art. 5º,

caput

, deve

ser combinado com o princípio da dignidade da pessoa, pre-

visto no art. 1º, III, ambos da CF, isto é, vida com dignidade ou

razoável qualidade. Em relação ao seu titular, o direito à vida

não é absoluto. Noutras palavras, não existe a obrigação

constitucional de viver, haja vista que, por exemplo, o Código

Penal não criminaliza a tentativa de suicídio. Ninguém pode

ser processado criminalmente por tentar suicídio.

Nessa ordem de ideias, a Constituição institui o direito à vida,

não o dever à vida, razão pela qual não se admite que o pa-

ciente seja obrigado a se submeter à cirurgia ou tratamento.