

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 19, n. 76, p. 38 - 42, out. - dez. 2016
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acreditam que a esquizofrenia paranoide é uma doença iden-
tificável e que os que sofrem dessa doença são perigosos.
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Evidências, naturalizações, verdades absolutas... Faz-se imperio-
so resistir a elas! Necessário é que nem só os pacientes resistam, mas
também nós, os operadores da saúde. A ‘psicologia insurgente’ viria para
repudiar este campo de indistinção e de nebulosidade e, em seu lugar,
deveria voltar o seu olhar para o sujeito como um sujeito único, com todas
as suas especificidades.
Somente desta forma, psicologia e direito (insurgentes) podem
se tornar instrumentos a serviço desses sujeitos que, na verdade, são
vistos como ‘não sujeitos’, os ‘não confiáveis’, os ‘não privilegiados’, os
‘sem-história’. Enfim, são os ‘sujeitos infames’, como dizia Michel Fou-
cault - um dos maiores pensadores do século XX, um ferrenho crítico dos
postulados teóricos com relação aos saberes, especialmente aos sabe-
res relativos à loucura. Foucault
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chamava de ‘homens infames’ aqueles
homens sem fama, sem glória, o homem comum, de quem a sociedade
tratou sempre de marginalizar, assim como marginalizou os mendigos, as
prostitutas, a ‘criança abandonada’, os homossexuais, os pobres e os insa-
nos. Enfim, os indesejáveis, de quem a sociedade deveria ser defendida.
E, tanto o direito, como a psicologia/psiquiatria funcionaram como a prin-
cipal plataforma de defesa da sociedade (
in dubio pro societate
).
Nesta mesma lógica de exclusão, Foucault traz – em uma de suas
obras mais complexas
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- a imagem ficcional da
Nau dos loucos
que teve
uma existência concreta nas sociedades europeias entre o século XIV e
XVI. O louco era escorraçado das cidades e vagava pelos mares até ser
definitivamente excluído de todo e qualquer contato com o mundo. A
Nau
era o seu único destino. Analogamente, aqui no Brasil em fins do século
XIX tivemos uma ‘réplica’ da
Nau
: os estados que não possuíam hospitais
psiquiátricos enviavam seus loucos para a capital federal num trem cha-
mado
Trem de Doido
, no mesmo modelo de exclusão da
Nau dos loucos.
Mas isso não foi coisa apenas do passado...
Até hoje assistimos a perpetuação deste tipo de higienização das
cidades. Os exemplos são inúmeros: ônibus que não podem fazer parada
final em determinados pontos da zona sul em dia de praia; a inexistência
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A Escravidão Psiquiátrica
(1986).
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A vida dos homens infames
(1977).
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História da loucura
. São Paulo: Perspectiva, 2009.