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R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 19, n. 76, p. 38 - 42, out. - dez. 2016

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tos anos. Neste caso, é comum observar-se uma forte identificação com

a engrenagem institucional, o que lhe dificulta ter um olhar crítico e dife-

renciado em relação à mesma. E mais: essa maciça identificação produz

uma atitude maquinal e automática de aceitação a tudo o que é dito e

proposto pela instituição, levando o operador da saúde a acatar cegamen-

te e a obedecer a determinadas regras e normas sem, ao menos, se ar-

riscar a questioná-las. Tanto o encarcerado, quanto o psicólogo, acabam,

por vezes, se adequando aos mecanismos e às estruturas que permeiam

o campo institucional; tornam-se, via de regra, cronificados e engessados

aos princípios e modelos já constituídos, o que lhes impossibilita a estra-

nhar o que está posto, a resistir ao que lhes é estabelecido e determinado.

Trabalhando por quase 30 anos como psicóloga do Manicômio Ju-

diciário

4

(oficialmente chamado de Hospital de Custódia e Tratamento

Psiquiátrico Heitor Carrilho), lá eu vi e vivi muita coisa. Mas o que mais

me afetava era perceber a incapacidade do ‘corpo técnico’ de reagir em

relação às normatizações do poder instituído, de desconstruir a lógica

institucional e, em seu lugar, tentar produzir novos acontecimentos, no-

vos olhares, novas posturas, enfim, demolir a doutrina do ‘

porque sem-

pre foi assim

’....

Eu percebia uma grande dificuldade dos profissionais em tentar re-

agir a estes

memes

, aceitando-os de forma totalmente naturalizada, sem

questionamentos ou dúvidas. Acredito que uma das funções do profis-

sional da saúde é a de desmontar e desconstruir essas certezas que, ao

longo dos séculos foram se naturalizando como verdades absolutas. Uma

delas diz que “

todo paciente esquizofrênico é perigoso e, portanto, po-

tencialmente criminoso

”. Existe uma citação de Thomas Szasz, psiquiatra

húngaro, e importante crítico dos fundamentos morais da psiquiatria, que

diz o seguinte:

Faz parte integral da psiquiatria, enquanto ‘ciência’ da mente

humana, a noção de que os esquizofrênicos paranoides são

perigosos. Assim como os verdadeiros crentes do judaísmo

acreditam que os judeus são o Povo Escolhido e assim como

os verdadeiros crentes do cristianismo acreditam que Jesus

é Deus, assim também os verdadeiros crentes da psiquiatria

4 O MJ é um hospital psiquiátrico-penal, que custodia em sistema de reclusão e sob regime fechado, indivíduos

portadores de sofrimento mental que cometeram crime.