

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 19, n. 76, p. 30 - 37, out. - dez. 2016
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digmas.
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O que representa afinal, na prática, a dignidade ou a igualdade
humana? A vida ou a saúde do cidadão?
Na realidade, o desafio maior de uma democracia plena não reside
apenas na inclusão principiológica e teórica desses valores e conceitos no
texto constitucional, mas sim da sua efetivação no dia a dia do cidadão a
quem, ao final, vem a ser destinado esse especial aparato de proteção. E
não há como se promover essa efetividade sem que, em momento preté-
rito, se passe por uma oportuna conceituação do valor protegido e objeto
do cuidado constitucional, para o que se mostra fundamental a adequada
exegese de sua definição.
Em outras palavras, estabelecer a razoável e justa definição do valor
protegido pela norma constitucional é tarefa que, obrigatoriamente, an-
tecede ao cuidado que se há de ter com a efetivação do sistema protetivo
vinculado aos direitos fundamentais.
Não há fórmula matemática a definir previamente o proceder in-
terpretativo da norma para se atingir esse desiderato, o que não impede,
todavia, que algumas recomendações possam ser feitas, notadamente no
terreno da hermenêutica judicial. Posto que indubitavelmente será tam-
bém do Juiz essa tarefa, repita-se, tão essencial à manutenção do regime
constitucional democrático.
Como de sabença, as Cortes Constitucionais a rigor se ocupam de
definir o conceito desses valores, o que não significa, no entanto, dizer
que somente a elas será permitido cumprir essa finalidade. Na verdade,
a complexa tarefa dessa definição passa diuturnamente pelos Tribunais
como resultado do exercício da própria jurisdição, daí porque os conceitos
são permanentemente oxigenados pela seguida participação não só dos
juízes, mas de todos os que operam no arrastar de um litígio.
Preocupa-me, particularmente, nesse momento, a forma como atu-
am ou deveriam atuar os magistrados e não vejo nesse
iter
interpretativo
1 Luís Roberto Barroso (2010, p. 128) cita Georges Burdeau e Anna Cândida da Cunha Ferraz em nota de rodapé n.
15: “Georges Bordeau,
Traité de science politique
, 1969, v. 4, p. 246-247: ‘Se o poder constituinte é um poder que
faz ou transforma as constituições, deve-se admitir que sua atuação não se limita às modalidades juridicamente
disciplinadas de seu exercício. (...) Há um exercício quotidiano do poder constituinte que, embora não esteja previsto
pelos mecanismos constitucionais ou pelos sismógrafos das revoluções, nem por isso é menos real. (...) Parece-me,
de todo modo, que a ciência política deva mencionar a existência desse poder constituinte difuso, que não é consa-
grado em nenhum procedimento, mas sem o qual, no entanto, a constituição oficial e visível não teria outro sabor
que o dos registros de arquivo’ (tradução livre, destaque acrescentado). Ver também Anna Cândida da Cunha Ferraz,
Processos informais de mudança da Constituição
, 1986, p. 10: ‘Tais alterações constitucionais, operadas fora das
modalidades organizadas de exercício do poder constituinte instituído ou derivado, justificam-se e têm fundamento
jurídico: são, em realidade, obra ou manifestação de uma espécie inorganizada do Poder Constituinte, o chamado
poder constituinte difuso, na feliz expressão de Burdeau.’”