

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 19, n. 76, p. 182 - 187, out. - dez. 2016
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g) a consideração do imputado, das testemunhas, da vítima e de-
mais protagonistas do drama retratado no caso penal como objetos: a
jurisdição penal autoritária considera os jurisdicionados, em especial o
imputado, não como seres autodeterminados que atuam racionalmente
e decidem os seus destinos, razão pela qual devem ser tratados como su-
jeitos racionais e não podem ser instrumentalizados, independentemente
da classe social em que se encontram inseridos, mas sim como objetos,
que devem se autoanular e obedecer acriticamente ordens, como mario-
netes manejadas pelos atores estatais;
h) a decisão penal volta-se para “fantasmas”: a jurisdição penal au-
toritária ataca fantasmas, construções imaginárias, e não fatos ou pesso-
as reais, complexas e contraditórias. Os atores jurídicos, nesse particular,
descontextualizam os fatos e fragmentam a percepção sobre a pessoa,
que passa a sofrer um impressionante processo de estereotipia;
i) a substituição da coerência interna do discurso por um fluxo de
ideias oriundas do senso comum: na jurisdição penal autoritária as deci-
sões identificam-se com um “bricolage de significantes” (Alexandre Mo-
rais da Rosa). A lógica do discurso é substituída por um fluxo, uma corren-
te de palavras, que se mostra adequada e funcional às pulsões repressivas
da sociedade e às expectativas sociais construídas pelos meios de comu-
nicação de massa (naquilo que se convencionou chamar de “criminologia
midiática”), em uma espécie de irracionalidade aplicada.
Por evidente, essas e outras características da jurisdição penal au-
toritária precisam ser melhor estudadas e desenvolvidas. Mas, o impor-
tante, no momento, é destacar o crescimento de uma tendência autori-
tária no funcionamento do Sistema de Justiça Criminal. Cada vez mais, as
ilegalidades praticadas pelo Estado no combate ao crime são naturaliza-
das pela população (que, em razão da tradição autoritária em que está in-
serida, identifica “justiça” com “punição”, “liberdade” com “impunidade”
e goza sadicamente com o sofrimento de pessoas) e ignoradas ou descon-
sideradas pelo Poder Judiciário, em especial nas grandes operações que
ganham (pelos mais variados motivos, nem todos legítimos) a simpatia
dos meios de comunicação de massa.
Diante desse quadro, os direitos humanos, percebidos como a
principal linguagem/gramática da dignidade humana, estão sob ataque.
Mesmo aqueles direitos humanos que acabaram positivados, e que ad-
quiriram a natureza de direitos fundamentais de um país, verdadeira di-