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R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 19, n. 76, p. 182 - 187, out. - dez. 2016

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constituída (e seus agentes) sempre representa o bem. Há um exercício de

fé na “bondade do poder penal” e dos agentes estatais, ao mesmo tempo

em que os imputados são etiquetados de inimigos (que, nessa condição,

não merecem ver seus direitos respeitados);

c) a mutação simbólico-imaginária dos direitos fundamentais: na

jurisdição penal autoritária, os direitos fundamentais deixam de ser per-

cebidos e de atuar como limites à opressão do Estado e de seus agentes

(e como trunfos contra maiorias de ocasião) para serem tratados (e afas-

tados) como óbices à eficiência repressiva e à ampliação do poder penal;

d) a adesão discursiva ao populismo penal: a jurisdição penal auto-

ritária adere e reproduz os argumentos expostos nas manifestações polí-

ticas dirigidas à exploração do medo e das pulsões repressivas presentes

na sociedade (“populismo penal”). Nas decisões penais autoritárias, com

muita frequência, percebe-se a estratégia discursiva de afirmar a “segu-

rança pública” (como um valor-em-si, isto é, desassociado dos direitos

primários, tais como a vida, a integridade física, a saúde, a dignidade da

pessoa humana, o patrimônio, etc.) como o objetivo a ser alcançado com

as escolhas (sempre políticas) do juiz, de modo a obter demagogicamente

a simpatia e o apoio popular, sem perceber (ou, nos casos de má-fé, sem

revelar) que as medidas adotadas, por mais repressivas ou violadoras de

direitos e garantias do imputado, se mostram ineficazes em relação à pre-

venção de novas infrações;

e) a baixa operatividade das categorias “verdade” e “prova”: na ju-

risdição penal autoritária a “verdade” identifica-se com a hipótese assu-

mida pelo ator jurídico antes mesmo do início do procedimento probató-

rio e a “prova” é manipulada para justificar condenações já previamente

conhecidas a partir da atuação dos meios de comunicação de massa ou da

retórica do senso comum;

f) a ausência de fundamentação teórica no exercício da jurisdição

penal: há a recusa de fundamentar a atuação do poder penal a partir de

teorias penais, processuais penais ou mesmo criminológicas, isso porque

a atuação autoritária, sempre avessa a limites, é essencialmente não teó-

rica. A decisão penal totalitária desconhece limites (e toda teoria, bem ou

mal, tende a impor limites na tentativa de racionalizar os fenômenos) na

busca da dominação absoluta, no extermínio jurídico do inimigo. Pode-se

afirmar que é essencial à regra totalitária que nada seja garantido, ne-

nhum limite seja imposto ao arbítrio;