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R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 19, n. 76, p. 157 - 164, out. - dez. 2016

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Diz ainda esse autor que se deveria evitar “opor os gays ligados a

um modo de vida fora de todo reconhecimento institucional e até jurídi-

co, e, para muitos deles, a uma sexualidade livre e aberta sobre a multi-

plicidade dos parceiros, àqueles que preferem viver em casal e aspirar a

um registro pelo direito dessa união”

9

. Antes de uma oposição, como um

discurso homofóbico quer fazer crer (“se serve do fato de que alguns não

querem ouvir falar de casamento para recusar o direito àqueles que de-

sejam poder ter acesso a ele”

10

), esses dois campos estão interligados de

modo bastante íntimo. A tal ponto, que se poderia dizer que a abertura

da instituição matrimonial para os casais gays significaria, por si, uma sub-

versão estrutural dos modos de vida padrões heterossexuais. Em outras

palavras, “é a dessacralização do casamento que torna possível a própria

reivindicação de que se deva abri-lo aos casais do mesmo sexo”

11

.

Não se pode esquecer que o casamento, enquanto instituição que

cruza a vida civil e a vida religiosa, já mudou muito no último século.

Exemplo disso, nos anos 60, é a importante virada de paradigma nas rela-

ções sexuais e afetivas. Os modos tradicionais de relações conjugais foram

se transformando e cedendo lugar para práticas mais modernas. A união

pelo dever herdado das famílias, geralmente para fazer a vontade do pai,

deslocou-se para a busca de realização de um amor genuíno ou, pelo me-

nos, para uma vontade mais legítima das partes interessadas. Além dis-

so, a reprodução deixou de definir, com exclusividade, a sexualidade, que

passou a ser vista também como fonte de desejos e de prazeres. Sem

falar, ainda, no divórcio, que fragilizou a visão mais tradicional do casa-

mento como uma união de toda uma vida e inquebrantável.

Todos esses deslocamentos foram importantes para chegar ao pon-

to do reconhecimento das uniões homoafetivas. O desejo de constituição

de famílias tem toda a sua razão e legitimidade em nossa sociedade que

valoriza esses modos de vida em detrimento de outros. Também a reinvin-

dicação republicana por igualdade de direitos deve ser apoiada. Inclusive

porque têm potencial de transformar as relações sexuais hegemônicas ou

normalizadas. No entanto, é preciso certo discernimento para não operar

com a lógica da hierarquização e da exclusão quando se luta pelo reconhe-

9

Ibidem

, p. 55.

10

Ibidem

, p. 55.

11

Ibidem

, p. 55.