

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 19, n. 76, p. 157 - 164, out. - dez. 2016
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O DIREITO POTENCIALIZA OU CONTROLA A DIVERSIDADE SEXUAL?
As complexas relações entre sexo e poder constituem um tema
estudado por diversas abordagens e disciplinas acadêmicas. As escolhas
sobre como organizar os arranjos familiares, as uniões conjugais e as for-
mas de expressão do desejo são pontos de observação privilegiados do
funcionamento e da dinâmica de uma sociedade.
Historicamente, diversas instituições foram estruturadas para dar
conta da regulação das trocas afetivas e sexuais, bem como as configu-
rações familiares aí implicadas. De modo geral, normas jurídicas e mo-
rais se conjugaram com o objetivo de dividir, classificar e hierarquizar os
comportamentos entre aqueles considerados desejáveis, outros apenas
toleráveis e aqueles tidos como inaceitáveis e que deviam ser banidos ou
proibidos expressamente.
Assim, discursos religiosos, morais, médicos, jurídicos e de diversas
outras ordens mesclaram-se de modo a produzir uma normalização, cons-
truída sempre em contextos socio-culturais específicos.
De algum modo, sucessivos deslocamentos foram-se operando en-
tre esses discursos de diferentes ordens ao conceber a homossexualidade,
por exemplo, como um pecado (religião), ou como um perigo social (cri-
minologia), depois como uma doença (medicina), mais tarde como algo
amoral ou ilegal (direito). Evidentemente, na prática e na história, esses
discursos se fundem e não se excluemmutuamente. Antes, eles convivem
e se retroalimentam, em permanente tensão, na tarefa de tornar determi-
nados comportamentos normais ou anormais na sociedade
5
.
O direito, em especial, sempre cumpriu um papel central nessa nor-
malização de uma ordem sexual, por ser visto como um tipo de raciona-
lização da convivência humana mais “moderna”, “técnica” e “imparcial”
em relação às demais normas sociais. Usado muitas vezes para proibir
comportamentos, como um reflexo da dimensão negativa da interdição
do poder, o direito também serviu, outras tantas vezes, para permitir cer-
tas condutas e até mesmo estimulá-las. Assim, o direito acaba sendo um
instrumento também de um poder positivo e produtivo, que regula os
direitos e deveres não por interditos, mas por incentivos
6
.
5 Para uma leitura da história da homossexualidade masculina no Brasil a partir dessas chaves discursivas, suas
tensões internas e deslocamentos, vale consultar o trabalho de GREEN, James N.
Além do Carnaval:
a homossexua-
lidade masculina no Brasil do século XX. São Paulo: Editora UNESP, 2000.
6 A teoria política foucaultiana ainda é a referência fundamental para essa compreensão do poder enquanto relação
e com uma dimensão marcante de positividade, sobretudo para contestar a clássica “hipótese repressiva” no campo da
sexualidade. Cf. FOUCAULT, Michel.
História da Sexualidade I
: a vontade de saber. Rio de Janeiro, Edições Graal, 1988.