

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 19, n. 76, p. 157 - 164, out. - dez. 2016
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jurídico. Os guetos que restavam para a vivência do amor entre iguais não
se refletiam em uma aceitação social ou uma integração institucional. Con-
forme a resposta da escritora indica, naquele momento, sequer parecia
possível pensar ou imaginar um casamento entre pessoas do mesmo sexo.
No entanto, esse cenário foi mudando, ainda que vagorosamente.
A reivindicação de igualdade de direitos, especialmente quanto ao reco-
nhecimento das uniões civis homoafetivas, tornou-se uma das principais
bandeiras do movimento de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transgê-
neros (LGBT) no Brasil e mundo afora. Em vários lugares, tal direito já foi
reconhecido, apesar das resistências advindas dos setores religiosos mais
conservadores.
Em nosso país, somente mais de quatro décadas após essa entre-
vista e passados vinte e cinco anos de redemocratização do país foi que
o Supremo Tribunal Federal (STF), em maio de 2011, julgou procedente a
Ação por Descumprimento de Preceito Fundamental n. 132 (ADPF 132),
em conjunto com a ADI n. 4.227. Ela foi ajuizada pelo Governador do Es-
tado do Rio de Janeiro com o objetivo de equiparar as uniões civis homo-
afetivas às heterossexuais, conferindo-lhes os mesmos deveres e direitos.
Essa decisão foi bastante comemorada por diversos setores da
sociedade brasileira, em especial do movimento de gays e lésbicas, por
ampliar garantias familiares e sucessórias outrora restritas aos casais
heterossexuais. Essa era uma reivindicação bastante antiga e central do
movimento
3
. No entanto, essa mesma decisão veiculou uma série de con-
cepções políticas e valores morais conservadores de uma sexualidade tida
por ideal, sobretudo se observada à luz de teorias mais críticas sobre a
diversidade de orientação sexual e de identidade de gênero
4
.
Não é nosso propósito aqui fazer uma longa análise do discurso
judicial e de como os principais argumentos judiciais utilizados carregam
determinadas compreensões normativas sobre a (homos)sexualidade que
podem vir a reforçar, como efeito colateral, determinados padrões conser-
vadores de comportamento sexual e afetivo nas uniões entre pessoas do
mesmo sexo. O intuito do presente artigo é apenas mapear as ambiguida-
des e tensões que estruturam a relação entre direito e diversidade sexual.
3 Um bom apanhado dos momentos mais marcantes da formação do movimento LGBT brasileiro, com registro das
demandas e lutas em cada fase, pode ser encontrado em SIMÕES, Júlio Assis; FACCHINI, Regina.
Na trilha do arco-
-íris:
do movimento homossexual ao LGBT. São Paulo: Perseu Abramo, 2008.
4 Uma análise detida dessa argumentação pode ser encontrada no artigo “Sexualidade ideal: ciladas da luta pelo
casamento igualitário” que publicamos na
Revista Geni
, n. 15:
http://revistageni.org/09/a-sexualidade-ideal/.