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R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 19, n. 76, p. 157 - 164, out. - dez. 2016

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os diferentes modos de vida, separando-os entre os lícitos e os não líci-

tos ou, para usar uma linguagem mais comum e menos técnica, contribui

para traçar os contornos sociais entre aqueles considerados “normais” e

os “anormais”.

Por isso, é preciso sempre uma cautela ao se analisar as ambigui-

dades e tensões presentes nos processos de reconhecimento de direitos.

CASAMENTO ENTRE PESSOAS DO MESMO SEXO: QUEM RECLAMA A

PENSÃO DE QUEM?

Retomando a provocação de Cassandra Rios: quanto efetivamente

avançamos ao reconhecer o direito ao casamento entre pessoas do mes-

mo sexo com base na normalização e no controle das práticas sexuais de

pessoas LGBT? Será que ao invés de mudar o curso da cultura hegemôni-

ca, os homossexuais não estariam agora ajudando a afirmar essa mesma

cultura? Ao deixar de lutar pela derrubada da regulação da monogamia

pelo casamento e a festejar a liberdade sexual de que os homossexuais

gozavam, os casais do mesmo sexo não estariam apenas se enquadrando

nas normas de direitos familiares e sucessórios sem desafiar o direito com

suas perspectivas emancipatórias de diversidade?

A questão não é, que fique bem claro, a constituição ou não de famí-

lias ou o seu reconhecimento jurídico. As famílias e os casamentos homos-

sexuais já são, felizmente, um fato na vida de muitos brasileiros. Como bem

apontou Eribon, a renúncia forçada a um convívio familiar mais tradicional

pode ser uma das causas do “por que é tão poderosa a vontade de certos

gays (e lésbicas) de serem reconhecidos como casais ou famílias legítimas

por seus próximos (e, principalmente, por suas próprias famílias), mas igual-

mente pela sociedade (e, logo, pelo direito). Assim, não se trata apenas de

adotar ‘modelos’ heterossexuais, como às vezes se ouve dizer (‘macaquear

os héteros’, dizem os gays que fazem questão de ficar fora de qualquer qua-

dro institucional reconhecido), mas, de modo mais fundamental, de reen-

contrar uma ancoragem familiar perdida e talvez de restabelecer, por esse

meio, laços com a família que foi deixada, ou até de se inserir novamente na

vida ‘normal’ ao se reinscrever na sequência das gerações”

8

.

8 ERIBON, Didier.

Reflexões sobre a questão gay

. Rio de Janeiro: Companhia de Freud, 2008, p. 52.