

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 19, n. 76, p. 132 - 156, out. - dez. 2016
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A terra deveria assumir o lugar do escravo como renda capitalizada.
Esta lógica toma a frente do nosso processo histórico no momento em
que é promulgada a Lei n° 1.237, de 24 de setembro de 1864, em que a
terra, devidamente titulada pode servir como objeto das hipotecas, ga-
rantindo os financiamentos exigidos pela empresa do café
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.
A construção desse aparato jurídico de proteção à terra teve início
com a chegada dos portugueses em solo brasileiro e seu fortalecimento
no ano de 1850, com forte ampliação com a promulgação da Constitui-
ção Federal de 1988, que consagra propriedade privada como direito
fundamental.
No decorrer deste estudo serão expostos breves comentários acer-
ca dos movimentos de luta pelo acesso à terra, que objetivaram descons-
truir os principais pilares de proteção jurídica da propriedade no Brasil.
Tais movimentos serão observados a partir de elementos da Teoria do
Reconhecimento elaborada por Axel Honneth. Tal teoria contribui para
legitimar essa demanda social, garantindo uma retomada da relação con-
creta do ser humano com os bens que estão a sua volta, confrontando
com a realidade abstrata imposta pelas revoluções oitocentistas.
A construção a partir da lógica do reconhecimento pretende garan-
tir ao trabalhador o acesso aos bens básicos da vida, mas também, a uma
estima recíproca por parte da sociedade.
A luta pelo acesso à terra deve ser levada a cabo através da partici-
pação popular no enfrentamento à cerca jurídica criada em torno da pro-
priedade. É sob esta ótica que encontramos nos movimentos populares
de luta pela terra uma solução aos entraves criados pelo Direito Positivo
através do processo histórico de abstração e individualização dos conflitos
sociais, com a valorização de um direito concreto e puro, que surge a par-
tir da ótica desses conflitos.
Desta forma, o presente trabalho busca apresentar os principais
movimentos de luta pela terra na história brasileira e de que forma foram
alijados do processo histórico de divisão de bens materiais e de reconhe-
cimento por parte da comunidade em que estão inseridos.
1 - A LUTA PELA TERRA
Desde o descobrimento do Brasil que a concentração da terra é
utilizada como um instrumento de dominação, sendo até hoje uma das
principais causas da desigualdade social no país. Por isso, imprescindível
4 BALDEZ, Miguel Lanzellotti. Ob., Cit., p. 11.