Background Image
Previous Page  134 / 218 Next Page
Information
Show Menu
Previous Page 134 / 218 Next Page
Page Background

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 19, n. 76, p. 132 - 156, out. - dez. 2016

134

uma construção jurídica para que houvesse o controle social. Com o apa-

recimento do trabalhador livre e assalariado, supostamente dono de sua

força de trabalho, foi necessário o surgimento de algumas abstrações para

dar continuidade às relações históricas de dominação.

Com a consolidação do Estado Liberal e do modelo de produção

capitalista pautando o sistema econômico mundial, é notório o forte pa-

pel do direito na formação da base para uma exploração indireta do tra-

balhador. Em razão do referido contexto, imprescindível o marco teórico

da obra de Savigny e Ihering. Ambos exerceram grande importância no

século XIX através das suas construções jurídicas de posse e propriedade

e os principais instrumentos para sua defesa, ratificando a existência de

uma clara subjetivação das relações sociais concretas.

O caso concreto, o fato em si, é cada vez mais individualizado pelo

ordenamento jurídico, universalizando as relações sociais que agora es-

tão tipificadas, sendo, portanto, o Estado, sujeito garantidor da ordem

social. A lógica de que todo individuo é titular de direitos e obrigações

na sociedade civil tenta criar a máxima abstrata de que todos são iguais

perante a lei.

Esta abstração jurídica com status constitucional ignora as profun-

das desigualdades econômicas, culturais e sociais. A falsa noção burguesa

de igualdade e liberdade cumpre seu papel de cada vez mais individualizar

as latentes contradições sociais.

MIGUEL BALDEZ

2

afirma que o Direito Positivo consagrado nas re-

voluções do século XIX criou em torno da terra uma verdadeira cerca jurí-

dica, que, no caso brasileiro, se perpetua até os dias de hoje.

Quando a classe trabalhadora era submetida ao regime da escravi-

dão, a terra não tinha valor algum, pois o monopólio do capital era exer-

cido sob o próprio trabalho, no qual o escravo era tratado como renda

capitalizada. A fonte de riqueza neste dado momento era sem dúvida o

próprio ser humano.

A partir de 1850, com o advento da Lei Euzébio de Queiroz, primei-

ra lei abolicionista, que extingue o tráfico negreiro, o trabalhador, agora

assalariado, está prestes a entrar no mercado de trabalho na ótica desta

nova organização social. Assim, rapidamente a cerca jurídica da terra é

ampliada com a Lei n° 601 de 1850

3

.

2 BALDEZ, Miguel Lanzellotti.

A questão agrária: a cerca jurídica da terra como negação da justiça.

3 A Lei de Terras de 1850 teve como principal finalidade determinar a compra e venda como a única forma de aquisi-

ção entre vivos das terras, superando o antigo sistema de concessões públicas pelo regime das sesmarias.