

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 19, n. 76, p. 114 - 127, out. - dez. 2016
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tratamento diferenciado a condutas essencialmente iguais é inteiramen-
te incompatível com o princípio da isonomia, que determina que todos
são iguais perante a lei, não se podendo tratar desigualmente pessoas em
igual situação.
Não bastasse essa manifesta violação à isonomia, tais convenções
internacionais e leis nacionais criam crimes sem vítimas, ao proibir a mera
posse das arbitrariamente selecionadas drogas tornadas ilícitas e sua ne-
gociação entre adultos, assim violando a exigência de ofensividade da
conduta proibida, diretamente derivada da cláusula do devido processo
legal em seu aspecto substantivo.
Em uma democracia, o Estado não está autorizado a intervir em
condutas que não envolvem um risco concreto, direto e imediato para
terceiros, não estando assim autorizado a criminalizar a posse para uso
pessoal de drogas, que, equivalente a um mero perigo de autolesão, não
afeta qualquer bem jurídico individualizável. Também não está o Estado
autorizado a intervir quando o responsável pela conduta age de acordo
com a vontade do titular do bem jurídico, não estando assim autorizado a
criminalizar a venda ou qualquer outra forma de fornecimento de drogas
para um adulto que quer adquiri-las, conduta que, tendo o consentimen-
to do suposto ofendido, tampouco tem potencialidade para afetar concre-
tamente qualquer bem jurídico individualizável.
Intervenções do Estado supostamente dirigidas à proteção de um
direito contra a vontade do indivíduo que é seu titular contrariam a pró-
pria ideia de democracia, pois excluem a capacidade de escolha na qual
esta ideia se baseia. Enquanto não atinja concreta, direta e imediatamente
um direito alheio, o indivíduo é e deve ser livre para pensar, dizer e fazer
o que bem quiser. Essa afirmação, que reproduz o conteúdo do princípio
das liberdades iguais, é uma conquista histórica da humanidade, procla-
mada nos ideais das Revoluções Francesa e Americana do século XVIII.
Acresce que tais ilegítimas regras criminalizadoras ainda se mos-
tram inadequadas para atingir o fim declarado a que se propõem, isto
é, a eliminação ou pelo menos a redução da disponibilidade das subs-
tâncias proibidas, desde logo se revelando contrárias ao postulado da
proporcionalidade, já na consideração do primeiro de seus requisitos – a
adequação, a exigir que quaisquer medidas interventivas do Estado que