

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 19, n. 76, p. 114 - 127, out. - dez. 2016
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esses produtores, comerciantes e consumidores das substâncias proibi-
das. Os ‘inimigos’ nessa guerra são os pobres, os marginalizados, os não
brancos, os desprovidos de poder.
Após a declaração de ‘guerra às drogas’, o número de pessoas en-
carceradas nos Estados Unidos da América por crimes relacionados a dro-
gas aumentou em mais de 2.000%. Em duas décadas, entre 1980 e 2000,
o número de presos norte-americanos passou de cerca de 300.000 para
mais de 2 milhões, o que tornou os Estados Unidos da América o país
com a maior população carcerária do mundo. Mas, nos cárceres dos Es-
tados Unidos da América, sua população não está representada de ma-
neira uniforme. A taxa de encarceramento nos Estados Unidos da Amé-
rica é de 706 presos por 100 mil habitantes, mas quando se consideram
apenas os homens afro-americanos, essa taxa sobe para cerca de 4.700
presos por 100 mil habitantes
10
. O encarceramento massivo de afro-
-americanos nos Estados Unidos da América nitidamente revela o alvo e
a função da ‘guerra às drogas’ naquele país: perpetuar a discriminação e
a marginalização fundadas na cor da pele, anteriormente exercitadas de
forma mais explícita com a escravidão e o sistema de segregação racial
conhecido como Jim Crow.
Na versão brasileira da ‘guerra às drogas’ o alvo preferencial tam-
bém é claro: os mortos e presos nessa guerra – os ‘inimigos’ – são os ‘tra-
ficantes’ das favelas e aqueles que, pobres, não-brancos, marginalizados,
desprovidos de poder, a eles se assemelham.
O Brasil tem hoje, em números absolutos, a quarta maior popula-
ção carcerária do mundo. Os dados mais recentes, referentes a dezem-
bro de 2014, revelam que já ultrapassamos os 600 mil presos (622.202),
correspondendo a 306 presos por cem mil habitantes (a média mundial
é de 144). Em 1995, essa proporção era de 92 por cem mil habitantes.
Os incompletos dados referentes à cor da pele (faltam dados relativos a
diversos estabelecimentos prisionais) revelam que 61,67% dos presos são
negros ou pardos, enquanto na população brasileira em geral o percen-
tual é de 51%. Em relação à escolaridade, os mesmos dados revelam que
75,8% dos presos têm no máximo o ensino fundamental.
Ainda conforme os dados do Ministério da Justiça, acusados e con-
denados por ‘tráfico’ das arbitrariamente selecionadas drogas tornadas
ilícitas eram 28% do total dos presos brasileiros em dezembro de 2014.
10 Dados: Bureau of Justice Statistics, US Department of Justice.
http://bjs.ojp.usdoj.gov/.