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R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 19, n. 76, p. 103 - 113, out. - dez. 2016

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muito baixo, mas os juízes insistem em exigir algum suporte a mais, para

formar sua convicção sumária, além da palavra da mulher. Presume-se, de

forma equivocada, a má-fé, deixando de considerar que o prejuízo maior

sempre será da criança. A proteção ampliada ao homem, para que não

pague pensão por alguns meses, sob a justificativa de que pode ser in-

devida, se sobrepõe às normas de direitos humanos em favor da criança

e da igualdade de gêneros. Chega-se a sugerir a devolução de prestação

alimentícia provisória para a hipótese do exame de DNA negativo, o que

destoa da lei e do escopo da pensão alimentícia.

Observe-se que a vinda do exame de DNA, que acenou como a so-

lução de todos os problemas de paternidade, na verdade veio corrobo-

rar a discriminação contra a mulher. O homem chega a admitir relação

sexual com a mulher, normalmente uma única, mas exige o exame de

DNA para o reconhecimento. Raramente há o reconhecimento imedia-

to para posterior exame ou mesmo sem a necessidade deste. Segundo

Foucault (2011), um sistema em partida dupla, “o poder judiciário do

médico, ou o poder médico do juiz”, no qual os médicos reivindicam o

exercício do seu saber dentro da instituição judiciária e os juízes reivin-

dicam a medicalização de sua profissão. Um “poder de normalização”,

uma “instância de controle do anormal”.

A crença na ausência de veracidade da palavra da mulher é de

tal monta que nem mesmo os advogados e defensores públicos pedem

a tutela provisória para registro da criança em nome do indicado pai. É

o que demonstra Bourdieu (2003): “Os dominados aplicam categorias

construídas do ponto de vista dos dominantes às relações de dominação,

fazendo-as assim ser vistas como naturais”.

Caso a tutela antecipada fosse requerida, caberia a imediata con-

cessão, afinal, a Convenção determina o restabelecimento da identidade

rapidamente. Não hámotivo para não se conceder quando amãe diz quem

é o pai e quando é reversível o reconhecimento. As responsabilidades

paternas deveriam ser imediatamente cobradas, dividindo o trabalho e

cuidados com a mãe. O argumento de que um nome de pai não confir-

mado posteriormente traria prejuízo maior para a criança é frágil. Primei-

ro por ocorrer em percentual reduzido, segundo porque a necessidade

de alimentação e cuidado é imediata e, mesmo sendo oferecidos por um

homem que depois se confirma não ser o pai biológico, não trará maior