

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 20, n. 1, p. 70 - 95, Janeiro/Abril 2018
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Assim, chegou-se a consolidar na vigência dos Códigos anteriores que
entre
os motivos
que não transitam em julgado se incluiria a
causa de pedir
(fato jurídico invocado pelo autor para sustentar sua pretensão). Com isso,
defendia-se que a rejeição de uma ação reivindicatória por falta de prova do
domínio do autor jamais poderia ter autoridade de coisa julgada quanto
a ser ou não o réu o verdadeiro proprietário; pelo que “se o antigo autor
tornar-se depois possuidor da mesma coisa, e o antigo réu quiser, a seu tur-
no, propor reivindicação, este não poderá valer-se do primeiro julgamento;
mas está rigorosamente obrigado a provar o seu direito de propriedade”.
27
Da mesma forma, “a sentença que decidir que o devedor é obrigado a pagar
juros de certa dívida, cujo montante é simplesmente enunciado, não tem
força de coisa julgada quanto ao montante dessa mesma dívida”.
28
Consagrava-se a tese de que os
puros motivos
, ainda que relevantes
para fixação do dispositivo da sentença, limitavam-se ao plano lógico da
elaboração do julgado. Influenciavam em sua interpretação, mas não se re-
cobriam do manto de intangibilidade que é próprio da
res iudicata
. O julga-
mento, que se tornava imutável e indiscutível, era a resposta dada ao pedido
do autor, não o “porquê” dessa resposta.
O juiz, para julgar, exerceria processualmente dois tipos de atividades:
(i)
a
cognição
a respeito de tudo que, no plano lógico, fosse necessário para
chegar a uma conclusão a respeito do pedido; e
(ii)
a
decisão
, a qual, por
sua vez, envolveria a relação jurídica material controvertida e redundaria na
declaração final de acolhimento ou rejeição do pedido formulado em torno
da citada relação. Era na
decisão
que se situava a autoridade da
res iudicata
,
tornando imutável e indiscutível o que aí se declarasse.
29
27 PAULA BATISTA, Francisco de.
Compêndio de teoria e prática do processo civil Comparado com o Comercial
. 6. ed. Rio de
Janeiro: Garnier, 1901, § 185, p. 250.
28 PAULA BATISTA, Francisco de.
Op. cit., loc. cit.
Nesse sentido, decidiu o TJSP que “a sentença proferida em embargos de
terceiro, considerando duvidoso o domínio do embargante, não faz coisa julgada para efeito de impedir a ação reivindicatória
ajuizada pelo mesmo embargante” (Ag. 106.919, Rel. Des. Cardoso Filho,
Revista Forense
203/164). Também o Superior
Tribunal de Justiça julgou que “a sentença proferida em executivo fiscal não faz coisa julgada quanto à legitimidade, em tese,
da cobrança de certo tributo, quando esta cobrança é pertinente a processos diferentes e a exercícios também diversos” (STJ,
REsp 36.807-3/SP, Rel. Min. Demócrito Reinaldo, ac. 15.08.1994,
RSTJ
73/270). “A sentença vale pelo ‘decisum’; é ele que
colhe a situação lamentada pelo autor na demanda inicial e é somente ele que tende a tornar-se imutável” (STJ, 3ª T., AgRg
no REsp 1.165.635/RS, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, ac. 06.09.2011,
DJe
13.09.2011).
29 “O juiz, enquanto razoa, não representa o Estado; representa-o enquanto lhe afirma a vontade. As razões de decidir
preparam, em operação lógica, a conclusão a que vai chegar o juiz no ato de declarar a vontade da lei” (STF, RE 94.530,
1ª Turma, Rel. Min. Buzaid, ac. 21.05.1982,
RTJ
103/759). “A coisa julgada, tal qual definida em lei, abrangerá unicamente
as questões expressamente decididas” (STJ, REsp 77.129/SP, Rel. Min. Demócrito Reinaldo, ac. 04.11.1996,
RSTJ
94/57).
“São, pois, as pretensões formuladas e respectivas causa de pedir (questões litigiosas) julgadas pelo Judiciário (questões
decididas) que se revestirão da eficácia da imutabilidade e indiscutibilidade de que trata o art. 468 do CPC” (STJ, 1ª Seção,
Rcl 4.421/DF, Rel. Min. Luiz Fux, ac. 23.02.2011,
DJe
15.04.2011).