Background Image
Previous Page  59 / 308 Next Page
Information
Show Menu
Previous Page 59 / 308 Next Page
Page Background

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 20, n. 1, p. 39 - 62, Janeiro/Abril 2018

59

é generalizadamente criticada

79

, tendo sido referida como “uma mancha

na jurisprudência americana”

80

.

No Brasil, o Supremo Tribunal Federal proferiu diversas decisões que

podem ser consideradas iluministas no sentido exposto acima. A Corte,

por exemplo, reconheceu as uniões entre pessoas do mesmo sexo como en-

tidade familiar e estendeu-lhes o regime jurídico aplicável às uniões estáveis

heteroafetivas, com base no direito à não discriminação em razão do sexo

e na proteção constitucional conferida à família

81

. Em 2016, julgou incons-

titucional norma que regulava a vaquejada, antiga manifestação cultural do

nordeste do país em que uma dupla de vaqueiros, montada a cavalos, bus-

ca derrubar o touro em uma área demarcada. Apesar da popularidade da

prática, o Tribunal entendeu que ela ensejava tratamento cruel de animais

vedado pela Constituição Federal

82

. Mais recentemente, a Corte declarou

a inconstitucionalidade do crime de aborto até o terceiro mês de gestação,

com base nos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres, em seu direito à

autonomia, à integridade física e psíquica e à igualdade

83

. No que tange a tais

casos, evidências indicam que o Tribunal decidiu em desacordo com a visão

dominante na população e no Legislativo, marcadamente conservador

84

.

O papel iluminista também se manifesta em diversos casos paradig-

máticos decididos por cortes estrangeiras. No famoso caso Lüth

85

, o Tribunal

Constitucional Federal alemão reconheceu a possibilidade de reinterpretar

normas infraconstitucionais de direito privado, à luz dos valores expressos

79 Noah Feldman. “Why Korematsu Is Not a Precedent”.

The New York Times

, 18 nov. 2016. Disponível em:

https://www

.

nytimes.com/2016/11/21/opinion/why-korematsu-is-not-a-precedent.html?_r=0. Acesso em 18 jan. 2016.

80 V. Carl Takei, “The incarceration of Japanese Americans in World War II Does Not Provide a Legal Cover for Muslim

Registry.

Los Angeles Times

, 27 nov. 2016. Disponível em:

http://www.latimes.com/opinion/op-ed/la-oe-takei-constitutio-

nality-of-japanese-internment-20161127-story.html. Acesso em 18 jan. 2016.

81 STF, Pleno, ADI 4277, Rel. Min. Ayres Britto, DJe, 14.10.2011.

82 STF, Pleno, ADI 4983, Rel. Min. Marco Aurélio, j. 16.12.2016. Lamentavelmente, uma Emenda Constitucional foi

aprovada posteriormente à decisão, com vistas a superá-la, procurando legitimar a prática considerada cruel pelo STF. V.

Emenda Constitucional 96, promulgada em 6 jun 2017.

83 STF, Primeira Turma, HC 124.306, Rel. Min. Marco Aurélio, Rel. p/ acórdão Min. Luís Roberto Barroso, j. 29.11.2016.

84 Quanto às uniões homoafetivas, pesquisa do IBOPE indicou que 55% da população eram contra seu reconhecimen-

to (Ibope: 55% da população é contra união civil gay.

Revista Época

, 28 jul. 2011, disponível em:

<http://revistaepoca.

globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI252815-15228,00.html>; A decisão a respeito da vaquejada foi objeto de emenda

constitucional com o propósito de assegurar a continuidade da prática. A emenda foi aprovada no Senado e seguiu

para apreciação da Câmara dos Deputados (disponível em:

<https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/

materia/127262, acesso em: 27 mar. 2017). Por fim, a declaração de inconstitucionalidade da criminalização do aborto no

primeiro trimestre de votação motivou protestos de parlamentares e provocou a constituição de comissão na Câmara dos

Deputados para buscar reverter a decisão do STF (ROSSI, Marina. Câmara faz ofensiva para rever decisão do Supremo

sobre aborto: Na mesma noite em que o STF determina que aborto até o terceiro mês não é crime, deputados instalam

comissão para rever a decisão.

El País

. Brasil. 2 dez. 2016; disponível em:

<http://brasil.elpais.com/brasil/2016/11/30/

politica/1480517402_133088.html>, acesso em: 27 mar. 2017). acesso em 27 mar. 2017).

85 BVerfGE 7, 198, Lüth-Urteil, j. 15.01.1958.