

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 20, n. 1, p. 39 - 62, Janeiro/Abril 2018
56
Em
Roe v. Wade
63
, julgado em 1973, a Suprema Corte, por 7 votos a 2,
afirmou o direito de uma mulher praticar aborto no primeiro trimes-
tre de gravidez, com total autonomia, fundada no direito de privacidade.
Posteriormente, em
Planned Parenthood v. Casey
64
(1992), o critério do
primeiro trimestre foi substituído pelo da viabilidade fetal, mantendo-se,
todavia, a essência do que foi decidido em
Roe.
A decisão é celebrada por
muitos, em todo o mundo, como a afirmação de uma série de direitos
fundamentais da mulher, incluindo sua autonomia, seus direitos sexuais
e reprodutivos e a igualdade de gênero. Não obstante isso, a sociedade
americana, em grande parte por impulso religioso, continua agudamente
dividida entre os grupos pró-escolha e pró-vida
65
. Há autores que afirmam
que a decisão da Suprema Corte teria interrompido o debate e a tendência
que se delineava a favor do reconhecimento do direito ao aborto, provo-
cando a reação social (
backlash
) dos segmentos derrotados
66
. Talvez. Mas
aplica-se aqui a frase inspirada de Martin Luther King Jr, de que “é sempre
a hora certa de fazer a coisa certa”
67
.
Em
Obergefell v. Hodges
, decidido em 2015, a Suprema Corte jul-
gou que o casamento é um direito fundamental que não pode ser negado
a casais do mesmo sexo e que os estados devem reconhecer como legítimos
os casamentos entre pessoas do mesmo sexo celebrados em outros estados.
Por 5 votos a 4, a maioria dos Ministros entendeu tratar-se de um direito
garantido pelas cláusulas do devido processo legal e da igualdade inscritas
na 14
a
Emenda à Constituição. A decisão foi o ponto culminante de uma
longa história de superação do preconceito e da discriminação contra ho-
mossexuais, que atravessou os tempos. Na própria Suprema Corte houve
63 410 U.S. 113 (1973).
64 505 U.S. 833 (1992).
65 De acordo com pesquisas realizadas pelo Gallup, de 1995 a 2008, a maioria dos americanos se manifestou em favor
do direito de escolha. De 2009 a 2014, ocorreu uma inversão, com a prevalência dos que opinaram em favor da posição
pró-vida. V. Lydia Saad, “More Americans ‘Pro-Life’ Than ‘Pro-Choice’ For First Time”. In:
http://www.gallup.com/poll/118399/More-Americans-Pro-Life-Than-Pro-Choice-First-Time.aspx. Em 2015, ainda segundo o Gallup, o número
dos que defendem a posição em favor do direito de escolha voltou a prevalecer. V. Lydia Saad, “Americans Choose ‘Pro-
Choice’ For First Time in Seven Years’”. In:
http://www.gallup.com/poll/183434/americans-choose-pro-choice-first-time-seven-years.aspx.
66 Cass R. Sunstein, Three Civil Rights Fallacies.
California Law Review 79:
751, 1991, p. 766: “By 1973, however, state
legislatures were moving firmly to expand legal access to abortion, and it is likely that a broad guarantee of access would
have been available even without
Roe. (...) [T]
he decision may well have created the Moral Majority, helped defeat the
equal rights amendment, and undermined the women’s movement by spurring opposition and demobilizing potential
adherents”. Sobre o tema, v. tb. Robert Post e Reva Siegel,
Roe
rage: democratic constitutionalism and backlash.
Harvard
Civil Rights-Civil Liberties Law Review 42:
373, 2007.
67 Martin Luther King Jr.,
The Future of Integration
. Palestra apresentada em Oberlin, 22 out. 1964. No original:
“The time
is always right to do what’s right”
.