

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 20, n. 1, p. 39 - 62, Janeiro/Abril 2018
55
a crítica doutrinária:
Brown
não teria observado “princípios neutros” de
interpretação constitucional
59
.
Outras importantes decisões da Suprema Corte americana podem ser
consideradas iluministas na acepção aqui utilizada.
Loving v. Virginia
60
, jul-
gado em 1967, considerou inconstitucional lei que interditava os casamen-
tos entre pessoas brancas e negras. A decisão, também unânime, reverteu o
precedente firmado em
Pace v. Alabama
61
, de 1883. Desde os tempos colo-
niais, diversos estados possuíam leis anti miscigenação. Em 1967, quando
da decisão em
Loving
, todos os 16 estados do sul tinham leis com esse con-
teúdo
62
. É possível, embora não absolutamente certo, que a maioria da po-
pulação americana fosse contrária a tais leis, o que transformaria a decisão
em representativa, no âmbito nacional, embora iluminista em relação aos
estados do sul, por impor, heteronomamente, uma concepção de igualdade
diversa da que haviam praticado até então. Cabe lembrar, uma vez mais,
que o termo iluminista está sendo empregado para identificar decisão que
não corresponde à vontade do Congresso nem ao sentimento majoritário da
sociedade, mas ainda assim é vista como correta, justa e legítima. Alguém
poderá perguntar: e quem certifica o caráter iluminista da decisão? Por vezes,
os próprios contemporâneos vivem um processo de tomada de consciência
após a sua prolação, captando o espírito do tempo (
Zeitgeist
). Quando isso
não ocorre, cabe à história documentar se foi iluminismo ou, ao contrário,
um descompasso histórico.
Duas últimas decisões aqui apontadas como iluministas apresentam
as complexidades dos temas associados a convicções religiosas. Em relação
a elas, a palavra iluminismo chega mais perto das suas origens históricas.
59 Herbert Wechsler, Toward Neutral Principles of Constitutional Law.
Harvard Law Review 73:
1, 1959, p. 34: “Dada uma
situação em que o Estado precisa escolher entre negar a integração àqueles indivíduos que a desejam ou impô-la àqueles
que querem evitá-la, é possível sustentar, com base em princípios neutros, que a Constituição exige que a reinvindicação
dos que querem a integração deve prevalecer?”.
60 388 U.S. 1 (1967).
61 106 U.S. 583 (1883).
62 O acórdão de
Loving v. Virginia
consignou, em sua nota de rodapé n. 5: “After the initiation of this litigation, Mary-
land repealed its prohibitions against interracial marriage, Md.Laws 1967, c. 6, leaving Virginia and 15 other States with
statutes outlawing interracial marriage: Alabama, Ala.Const., Art. 4, § 102, Ala.Code, Tit. 14, § 360 (1958); Arkansas, Ark.
Stat.Ann. § 55-104 (1947); Delaware, Del.Code Ann., Tit. 13, § 101 (1953); Florida, Fla.Const., Art. 16, § 24, Fla.Stat. §
741.11 (1965); Georgia, Ga.Code Ann. § 53-106 (1961); Kentucky, Ky.Rev.Stat.Ann. § 402.020 (Supp. 1966); Louisiana,
La.Rev.Stat. § 14:79 (1950); Mississippi, Miss.Const., Art. 14, § 263, Miss.Code Ann. § 459 (1956); Missouri, Mo.Rev.Stat.
§ 451.020 (Supp. 1966); North Carolina, N.C.Const., Art. XIV, § 8, N.C.Gen.Stat. § 14-181 (1953); Oklahoma, Okla.Stat.,
Tit. 43, § 12 (Supp. 1965); South Carolina, S.C.Const., Art. 3, § 33, S.C.Code Ann. § 20-7 (1962); Tennessee, Tenn.Const.,
Art. 11, § 14, Tenn.Code Ann. § 36-402 (1955); Texas, Tex.Pen.Code, Art. 492 (1952); West Virginia, W.Va.Code Ann.
§ 4697 (1961)”.