

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 20, n. 1, p. 39 - 62, Janeiro/Abril 2018
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marcos anteriores, aqui já citados, como
Bowers v. Hardwick
68
, que consi-
derou legítima a criminalização de relações íntimas entre pessoas do mes-
mo sexo, e
Lawrence v. Texas
69
, que superou este entendimento, afirmando
o direito de casais homossexuais à liberdade e à privacidade, com base na
cláusula do devido processo legal da 14
a
Emenda à Constituição. Em seu
voto em nome da maioria, o
Justice
Anthony Kennedy exaltou a “trans-
cendente importância do casamento” e sua “centralidade para a condição
humana”. Merece registro a crítica severa e exaltada do falecido
Justice
Antonin Scalia, acusando a maioria de fazer uma “revisão constitucio-
nal”, criar liberdades que a Constituição e suas emendas não mencionam e
“roubar do povo (...) a liberdade de se autogovernar”.
Obergefell
represen-
ta um contundente embate entre iluminismo e originalismo. De acordo
com algumas pesquisas, uma apertada maioria da população apoiava o
casamento entre pessoas do mesmo sexo
70
, significando que a decisão da
Suprema Corte, em verdade, poderia ser considerada representativa, ainda
que contra legislativa.
A verdade, porém, é que mesmo decisões iluministas, capazes de
superar bloqueios institucionais e empurrar a história, precisam ser segui-
das de um esforço de persuasão, de convencimento racional. Os derrota-
dos nos processo judiciais que envolvam questões políticas não devem ter
os seus sentimentos e preocupações ignorados ou desprezados. Portanto,
os vencedores, sem arrogância, devem continuar a expor com boa-fé,
racionalidade e transparência suas motivações. Devem procurar ganhar,
politicamente, o que obtiveram em juízo
71
. Já houve avanços iluministas
conduzidos pelos tribunais que não prevaleceram, derrotados por convicções
arraigadas no sentimento social. Foi o que se passou, por exemplo, em
relação à pena de morte. Em
Furman v. Georgia
72
, julgado em 1972, a Supre-
68 478 U.S. 186 (1986).
69 539 U.S. 558 (2003).
70 V. Justin McCarthy, U.S. Support for Gay Marriage Stable After High Court Ruling. In:
http://www.gallup.com/poll/184217/support-gay-marriage-stable-high-court-ruling.aspx, 17 jul. 2015. A pesquisa realizada pelo Gallup, em que
se baseia a matéria, aponta um percentual de apoio de 58%. Pesquisa da Associated Press exibiu índices mais apertados:
42% a favor e 40% contra. Curiosamente, quando perguntados, na mesma pesquisa, se apoiavam ou não a decisão da
Suprema Corte, 39% disseram-se a favor e 41% contra. V. David Crary e Emily Swanson, AP Poll: Sharp Divisions After
High Court Backs Gay Marriage. In:
http://www.lgbtqnation.com/2015/07/ap-poll-sharp-divisions-after-high-court-backs-gay-marriage/, 19 jul. 2015.
71 Gordon Silverstein,
Law’s Allure: how law shapes, constrains, saves, and kills politics
, 2009, p. 268: “O uso mais efetivo para as
decisões judiciais é quando elas funionam como um ariete, quebrando barreiras políticas e institucionais. Mas a omissão
em dar continuidade ao debate sobre o tema, utilizando a arte política da persuasão, coloca esses ganhos em risco se – e
quase inevitavelmente, quando – o Judiciário mudar, novos juízes assumirem e novas correntes de interpretação ou novas
preferências judiciais emergirem”.
72 408 U.S. 238 (1972).