

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 20, n. 1, p. 39 - 62, Janeiro/Abril 2018
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e da tolerância, a que se impõe apenas para derrotar as superstições e os
preconceitos, de modo a assegurar a dignidade humana e a vida boa para
todos. As intervenções humanitárias que o papel iluminista dos tribunais
permite não é para impor valores, mas para assegurar que cada pessoa possa
viver os seus, possa professar as suas convicções, tendo por limite o respeito
às convicções dos demais.
Retomando os exemplos esboçados acima. Houve tempos, no processo
de evolução social, em que (i) a escravidão era natural; (ii) mulheres eram
propriedade dos maridos; (iii) negros não eram cidadãos; (iv) judeus eram
hereges; (v) deficientes eram sacrificados; e (vi) homossexuais eram mortos
50
.
Mas a história da humanidade é a história da superação dos preconceitos, do
obscurantismo, das superstições, das visões primitivas que excluem o outro, o
estrangeiro, o diferente. Ao longo dos séculos, ao lado da vontade do monarca,
da vontade da nação ou da vontade das maiorias, desenvolveu-se uma razão
humanista que foi abrindo caminhos, iluminando a escuridão, empurrando a
história. Desde a antiguidade, com Atenas, Roma e Jerusalém, o Direito “sem-
pre foi encontrado na interseção entre história, razão e vontade”.
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Com a limitação do poder e a democratização do Estado e da so-
ciedade, procurou-se abrigar a vontade majoritária e a razão iluminista
dentro de um mesmo documento, que é a Constituição. O poder domi-
nante, como regra geral, emana da vontade majoritária e das instituições
através das quais ela se manifesta, que são o Legislativo e o Executivo.
Vez por outra, no entanto, é preciso acender luzes na escuridão, submeter
a vontade à razão. Nesses momentos raros, mas decisivos, as cortes cons-
titucionais podem precisar ser os agentes da história. Não é uma missão
fácil nem de sucesso garantido, como demonstram alguns exemplos da
própria experiência americana.
Brown v. Board of Education
52
, julgado pela Suprema Corte dos Es-
tados Unidos em 1954, é o exemplo paradigmático de decisão iluminista,
pelo enfrentamento aberto do racismo então dominante no Congresso e
50 Durante a Inquisição, homossexuais foram condenados à morte na fogueira. V. o verbete
Death by burning
, in
Wikipe-
dia
,
https://en.wikipedia.org/wiki/Death_by_burning:“Na Espanha, os primeiros registros de execuções pelo crime de
sodomia são dos séculos 13 e 14, e é importante observar que o modo preferido de execução era a morte na fogueira”.
51 V. Paulo Barrozo, The great alliance: history, reason, and will in modern law,
Law and Contemporary Problems 78:
235,
2015, p. 270.
52 347 U.S. 483 (1954). O julgamento de
Brown
foi, na verdade, a reunião de cinco casos diversos, originários de diferentes
estados:
Brown
propriamente dito,
Briggs v. Elliott
(ajuizado na Carolina do Sul),
Davis v. County School Board of Prince Edward
County
(ajuizado na Virginia),
Gebhart v. Belton
(ajuizado em Delaware), and
Bolling v. Sharpe
(ajuizado em Washington D.C.).