

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 20, n. 1, p. 39 - 62, Janeiro/Abril 2018
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na França, o
Enlightment
, na Inglaterra, o
Illuminismo
na Itália ou
Au-
fklärung
, na Alemanha, foram o ponto culminante de um ciclo histórico
iniciado com o Renascimento, no século XIV, e que teve como marcos a
Reforma Protestante, a formação dos Estados nacionais, a chegada dos eu-
ropeus à América e a Revolução Científica. A
razão
passa para o centro do
sistema de pensamento, dissociando-se da fé e dos dogmas da teologia cristã.
Nesse ambiente, cresce o ideal de conhecimento e de liberdade, com a difu-
são de valores como a limitação do poder, a tolerância religiosa, a existência
de direitos naturais inalienáveis e o emprego do método científico, entre
outros. Estava aberto o caminho para as revoluções liberais, que viriam logo
adiante, e para a democracia, que viria bem mais à frente, já na virada do
século XX. Historicamente, portanto, o Iluminismo é uma ideia associada à
razão humanista, a direitos inalienáveis da condição humana, à tolerância,
ao conhecimento científico, à separação entre Estado e religião e ao avanço
da história rumo à emancipação intelectual, social e moral das pessoas.
É nesse sentido que o termo é empregado neste tópico: o de uma
razão humanista que conduz o processo civilizatório e empurra a história
na direção do progresso social e da liberação de mulheres e homens. Para
espancar qualquer maledicência quanto a uma visão autoritária ou aristo-
crática da vida, Iluminismo, no presente contexto, não guarda qualquer se-
melhança com uma postura análoga ao
despotismo esclarecido
47
ou aos
reis
filósofos
de Platão.
48
A analogia mais próxima, eventualmente, seria com
uma tradição filosófica que vem de Tomás de Aquino, Hegel e Kant de que
a história é um fluxo contínuo na direção do bem e do aprimoramento da
condição humana
49
. A razão iluminista aqui propagada é a do pluralismo
sobre a desigualdade
(1754) e
O contrato social
(1762); Voltaire,
Dicionario filosófico
(1764); Immanuel Kant,
O que é Iluminismo
(1784); John Locke,
Dois tratados de governo
, (1689); David Hume,
Tratado sobre a natureza humana
(1739); Adam Smith,
A
riqueza das nações
(1776) e Cesare Beccaria,
Dos delitos e das penas
(1764), em meio a outros.
47 A expressão se refere aos monarcas absolutos que, na segunda metade do século XVIII, procuraram incorporar ao seu
governo algumas ideias advindas do Iluminismo, distinguido-se, assim, do modelo tradicional. A ideia de contrato social
começa a superar a de direito divino dos reis, mas o poder remanesceria com o monarca, que teria maior capacidade de
determinar e de realizar o melhor interesse dos seus súditos. Exemplos frequentemente citados são os de Frederico, o
Grande, que governou a Prússia de 1740 a 1786; Catarina II, imperatriz da Rússia de 1762 a 1796; e José II, de Habsburgo,
imperador do Sacro Império Romano-Germânico. Também se inclui nesta lista o Marquês de Pombal, primeiro-ministro
de Portugal de 1750 a 1777. V. o verbete
Enlightened despotism
, in
E
ncyclopedia of the
E
nlightenment
(
Alan Charles Kors
ed., Oxford University Press, 2005).
48 V. Platão,
A República
, 2015 (a edição original é de cerca de 380 a.C), Livro VI. Na sociedade ideal e justa, cujo deli-
neamento procurou traçar nesta obra, Platão defendeu a ideia de que o governo deveria ser conduzido por reis-filósofos,
escolhidos com base na virtude e no conhecimento. No comentário de Fredeick Copleston,
A history of Philosophy
, v. I,
1993, p. 230: “O princípio democrático de governo é, de acordo com Platão, absurdo: o governante deve governar em
virtude do conhecimento, e este conhecimento há de ser o conhecimento da verdade”.
49 Sobre o ponto, v. o notável artigo de Paulo Barrozo,
The great alliance: history, reason, and will in modern law
,
Law and Con-
temporary Problems 78:
235, 2015, p. 257-258.