

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 20, n. 1, p. 39 - 62, Janeiro/Abril 2018
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go do Código Penal que criminalizava a difamação, com pena de até dois
anos de prisão
42
. A decisão foi tida como um relevante avanço na proteção
da liberdade de expressão dos quenianos, já que a disposição penal era fre-
quentemente utilizada por políticos e autoridades públicas para silenciar
críticas e denúncias de corrupção veiculadas por jornalistas ou mesmo por
cidadãos comuns. No Canadá, a Suprema Corte reconheceu, em 1988, o di-
reito fundamental ao aborto, invalidando dispositivo do Código Penal que
criminalizava o procedimento
43
. Seu caráter representativo é evidenciado por
pesquisas de opinião que apontavam que, já em 1982 (
i.e.,
6 anos antes da
decisão), mais de 75% da população canadense entendia que o aborto era
uma questão de escolha pessoal da mulher
44
.
3.
O papel iluminista
Além do papel representativo, descrito no tópico anterior, supremas
cortes desempenham, ocasionalmente, um papel iluminista. Trata-se de uma
competência perigosa, a ser exercida com grande parcimônia, pelo risco de-
mocrático que ela representa e para que cortes constitucionais não se trans-
formem em instâncias hegemônicas. Ao longo da história, alguns avanços im-
prescindíveis tiveram de ser feitos em nome da razão, contra o senso comum,
as leis vigentes e a vontade majoritária da sociedade
45
. A abolição da escravidão
ou a proteção de mulheres, negros, homossexuais, transgêneros e minorias re-
ligiosas, por exemplo, nem sempre pôde ser feita adequadamente pelos meca-
nismos tradicionais de canalização de reinvindicações sociais. A seguir, breve
justificativa do emprego do termo
iluminista
no contexto aqui retratado.
Iluminismo designa um abrangente movimento filosófico que re-
volucionou o mundo das ideias ao longo do século XVIII
46
. As
Lumières
,
42 Corte Superior do Kenya,
Jacqueline Okuta & another v Attorney General & 2 others
[2017] eKLR, Disponível em: < http://
kenyalaw.org/caselaw/cases/view/130781/>.
43 Suprema Corte do Canadá,
Morgentaler, Smoling and Scott v. The Queen
, [1988] 1 S.C.R. 30. Disponível em:
<https://scc-csc.lexum.com/scc-csc/scc-csc/en/item/1053/index.do>.
44 Disponível em:
<http://www.nytimes.com/1982/12/13/world/canadian-doctor-campaigns-for-national-abortion-clinics.html>
45 Contra a ideia de que Cortes possam atuar como instrumento da razão, v. Steven D. Smith,
Judicial activism and “reason”.
In Luís Pereira Coutinho, Massimo La Torre e Steven D. Smith (eds.),
Judicial activism:
an interdisciplinary approach to the
American and European Experiences, 2015, p. 30: “And thus judicial discourse, once it is detached from the mundane
conventions of reading texts and precedents in accordance with their natural or commonsensical meanings, loftily aspires
to be the realization of “reason” but instead ends up degenerating into a discourse of mean-spirited denigration”. O
texto manifesta grande inconformismo contra a decisão da Suprema Corte em
United States v. Windsor
(133 S. Ct. 1675,
2013), que considerou inconstitucional a seção do
Defense of Marriage Act (DOMA)
que limitava o casamento à união entre
homem e mulher.
46 Além da
Encyclopédie
, com seus 35 e volumes, coordenada por Diderot e D’Alambert e publicada entre 1751 a 1772,
foram autores e obras marcantes do Iluminismo: Montesquieu,
O espírito das leis
(1748), Jean-Jacques Rousseau,
Discurso