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R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 20, n. 1, p. 39 - 62, Janeiro/Abril 2018

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que a democracia contemporânea inclui votos e argumentos

27

. Um

insight

importante nesse domínio é fornecido pelo jusfilósofo alemão Robert Ale-

xy, que se refere à corte constitucional como

representante argumentativo da

sociedade

. Segundo ele, a única maneira de reconciliar a jurisdição consti-

tucional com a democracia é concebê-la, também, como uma representação

popular. Pessoas racionais são capazes de aceitar argumentos sólidos e corre-

tos. O constitucionalismo democrático possui uma legitimação discursiva,

que é um projeto de institucionalização da razão e da correção

28

.

Cabe fazer duas observações adicionais. A primeira delas é de caráter

terminológico. Se se admite a tese de que os órgãos representativos podem

não refletir a vontade majoritária, decisão judicial que infirme um ato do

Congresso pode não ser contramajoritária. O que ela será, invariavelmente,

é contra legislativa, ou contra congressual ou contra parlamentar. A segunda

observação é que o fato de não estarem sujeitas a certas vicissitudes que aco-

metem os dois ramos políticos dos Poderes não é, naturalmente, garantia de

que as supremas cortes se inclinarão em favor das posições majoritárias da

sociedade. A verdade, no entanto, é que uma observação atenta da realidade

revela que é isso mesmo o que acontece. Nos Estados Unidos, décadas de

estudos empíricos demonstram o ponto

29

.

A esse propósito, é bem de ver que algumas decisões emblemáticas da

Suprema Corte americana tiveram uma dimensão claramente representativa

a legitimá-las. Uma delas foi

Griswold v. Connecticut

,

30

proferida em 1965,

que considerou inconstitucional lei do Estado de Connecticut que proibia

o uso de contraceptivos mesmo por casais casados. Ao reconhecer um

di-

reito de privacidade

que não vinha expresso na Constituição, mas podia ser

extraído das “penumbras” e “emanações” de outros direitos constitucionais,

a Corte parece ter tido uma atuação que expressava o sentimento majoritá-

rio da época. Assim, embora a terminologia tradicional rotule essa decisão

como contramajoritária – na medida em que invalidou uma lei estadual (o

27 Para o aprofundamento dessa discussão acerca de legitimação eleitoral e discursiva, v. Eduardo Mendonça,

A democracia

das massas e a democracia das pessoas:

uma reflexão sobre a dificuldade contramajoritária, mimeografado, 2014, p. 64-86.

28 V. Robert Alexy, Balancing, constitutional review, and representation,

International Journal of Constitutional Law 3:

572,

2005, p. 578 e s.

29 Corinna Barret Lain,

Upside-down judicial review,The Georgetown Law Review 101:

113, 2012-2103, p. 158. V. tb. Robert A. Dahl,

Decision-making in a democracy: the Supreme Court as a national policy-maker,

Journal of Public Law 6:

279, 1957, p. 285; e Jeffrey Rosen,

The most democratic branch: how the courts serve America

, 2006, p. xii: “Longe de proteger as minorias contra a tirania das maiorias

ou contrabalançar a vontade do povo, os tribunais, ao longo da maior parte da história americana, têm se inclinado por refletir

a visão constitucional das maiorias”. V. tb. Robert McCloskey,

The American Supreme Court

, 1994, p. 209: “We might come

closer to the truth if we said that the judges have often agreed with the main current of public sentiment because they were

themselves part of that current, and not because they feared to disagree with it.”

30 381 U.S. 479 (1965)