

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 20, n. 1, p. 39 - 62, Janeiro/Abril 2018
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Connecticut Comstock Act,
de 1879) –, ela era, seguramente,
contra legis-
lativa
, mas provavelmente não contramajoritária. Embora não haja dados
totalmente seguros nem pesquisas de opinião do período, é possível intuir
que a lei não expressava o sentimento majoritário em meados da década de
60
31
– cenário da revolução sexual e do movimento feminista –, de modo que
a decisão foi, na verdade,
representativa
.
Outro exemplo de atuação representativa da Suprema Corte america-
na foi a decisão em
Lawrence v. Texas
,
32
de 2003, invalidando lei do Estado
do Texas que criminalizava relações íntimas entre homossexuais. Ao reverter
julgado anterior, no caso
Bowers v. Hardwick
,
33
o acórdão lavrado pelo
Justi-
ce
Anthony Kennedy assentou que os recorrentes tinham direito ao respeito
à sua vida privada e que, sob a cláusula do devido processo legal substantivo
da 14º Emenda, tinham protegida a sua liberdade de manter relações sexuais
consentidas. Embora grupos religiosos tenham expressado veemente opinião
contrária,
34
parece fora de questão que a maioria da população americana – e
mesmo, provavelmente, do próprio Estado do Texas – não considerava legí-
timo tratar relações homossexuais como crime. De modo que também aqui,
embora rotulada de contramajoritária, a decisão do Tribunal foi mesmo é
contra legislativa. Mas certamente representativa de uma maioria que, já nos
anos 2000, se tornara tolerante em relação à orientação sexual das pessoas.
No Brasil, coube à jurisdição constitucional uma série de decisões
apoiadas pela maioria da população que não tiveram acolhida na política
majoritária. Esse foi o caso da decisão do Supremo Tribunal Federal que
reconheceu a constitucionalidade da proibição de contratar cônjuge, com-
panheiro ou parentes para o exercício de funções de confiança e de cargos
públicos na estrutura do Poder Judiciário (nepotismo)
35
, proibição que foi,
posteriormente, estendida pela jurisprudência do Tribunal para os Poderes
Executivo e Legislativo
36
. Na mesma linha, a Corte declarou a inconstitucio-
31 V. Jill Lepore,
To have and to hold: reproduction, marriage, and the Constitution
.
The New Yorker Magazine
, 25 mai. 2015: “Banir
contracpetivos numa época em que a esmagadora maioria dos americanos os utilizava era, evidentemente, ridículo”. (
“Ban-
ning contraception at a time when the overwhelming majority of Americans used it was, of course, ridiculous”
). A decisão em
Griswold
veio
a ser estendida em Eisenstadt v. Baird, julgado em 1972, aos casais não casados.
32 539 U.S. 558 (2003).
33 478 U.S. 186 (1986).
34 V. Carpenter Dale,
Flagrant conduct: the story of Lawrence v. Texas: how a bedroom arrest decriminalized gay Americans,
2012, p. 268.
35 STF, Pleno, ADC 12, rel. Min. Ayres Britto, DJe, 18.12.2009.
36 STF, Súmula Vinculante nº 13: “A nomeação de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por
afinidade, até o terceiro grau, inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica investido em
cargo de direção, chefia ou assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou de confiança ou, ainda, de função
gratificada na administração pública direta e indireta em qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal
e dos Municípios, compreendido o ajuste mediante designações recíprocas, viola a Constituição Federal.