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R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 20, n. 1, p. 39 - 62, Janeiro/Abril 2018

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nos Estados Unidos, como em outros países, a invalidação de atos emanados

do Legislativo é a exceção, e não a regra.

2.

O papel representativo

A democracia contemporânea é feita de votos, direitos e razões, o

que dá a ela três dimensões: representativa, constitucional e deliberativa. A

democracia representativa

tem como elemento essencial o

voto popular

e

como protagonistas institucionais o Congresso e o Presidente, eleitos por su-

frágio universal. A

democracia constitucional

tem como componente nucle-

ar o respeito aos direitos fundamentais, que devem ser garantidos inclusive

contra a vontade eventual das maiorias políticas. O árbitro final das tensões

entre vontade da maioria e direitos fundamentais e, portanto, protagonista

institucional desta dimensão da democracia, é a Suprema Corte. Por fim,

a

democracia deliberativa

20

tem como seu componente essencial o ofereci-

mento de

razões

, a discussão de ideias, a troca de argumentos. A democracia

já não se limita ao momento do voto periódico, mas é feita de um debate

público contínuo que deve acompanhar as decisões políticas relevantes. O

protagonista da democracia deliberativa é a sociedade civil, em suas diferen-

tes instâncias, que incluem o movimento social, imprensa, universidades,

sindicatos, associações e cidadãos comuns. Embora o oferecimento de razões

também possa ser associado aos Poderes Legislativo

21

e Executivo, o fato é

que eles são, essencialmente, o

locus

da vontade, da decisão política. No

universo do oferecimento de razões, merecem destaque os órgãos do Poder

Judiciário: a motivação e a argumentação constituem matéria prima da sua

atuação e fatores de legitimação das decisões judiciais. Por isso, não deve

causar estranheza que a Suprema Corte, por exceção e nunca como regra

geral, funcione como intérprete do sentimento social. Em suma: o voto,

embora imprescindível, não é a fonte exclusiva da democracia e, em certos

casos, pode não ser suficiente para concretizá-la.

À luz do que se vem de afirmar, é fora de dúvida que o modelo tradi-

cional de separação de Poderes, concebido no século XIX e que sobreviveu

ao século XX, já não dá conta de justificar, em toda a extensão, a estrutura

em grau menor do que os liberais da Corte Warren”. V. tb. Paul Gewirtz e Chad Golder,

So who are the activists? New York

Times

, op-ed, 6 jul. 2005.

20 A ideia de democracia deliberativa tem como precursores autores como John Rawls, com sua ênfase na razão, e Jurgen

Habermas, com sua ênfase na comunicação humana. Sobre democracia deliberativa, v., entre muitos, em língua inglesa,

Amy Gutmann e Dennis Thompson,

Why deliberative democracy?

, 2004; em português, Cláudio Pereira de Souza Neto,

Teoria

constitucional e democracia deliberativa

, 2006.

21 V. Ana Paula de Barcellos,

Direitos fundamentais e direito à justificativa:

devido procedimento na elaboração normativa, 2016.