

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 20, n. 1, p. 39 - 62, Janeiro/Abril 2018
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pria sorte. Justamente ao contrário, conservam a sua condição de membros
igualmente dignos da comunidade política
14
. Em quase todo o mundo, o
guardião dessas promessas
15
é a suprema corte ou o tribunal constitucional,
por sua capacidade de ser um fórum de princípios
16
– isto é, de valores cons-
titucionais, e não de política – e de razão pública – isto é, de argumentos que
possam ser aceitos por todos os envolvidos no debate
17
. Seus membros não
dependem do processo eleitoral e suas decisões têm de fornecer argumentos
normativos e racionais que a suportem.
Esse papel contramajoritário é normalmente exercido pelas supremas
cortes com razoável parcimônia. De fato, nas situações em que não estejam
em jogo direitos fundamentais e os pressupostos da democracia, a corte deve
ser deferente para com a liberdade de conformação do legislador e a razoável
discricionariedade do administrador. Nos Estados Unidos, por exemplo, se-
gundo dados de 2012, em pouco mais de 220 anos houve apenas 167 decisões
declaratórias da inconstitucionalidade de atos do Congresso
18
. É interessante
observar que, embora o período da Corte Warren (1953-1969) seja considerado
um dos mais ativistas da história americana, diversos autores apontam para o
fato de que sob a presidência de William Rehnquist (1986-2005) houve intenso
ativismo de índole conservadora, tendo como protagonistas os
Justices
Anto-
nin Scalia, indicado por Ronald Reagan, e Clarence Thomas, indicado por
George W. Bush
19
. Seja como for, o ponto que se quer aqui destacar é que tanto
14 V. Eduardo Mendonça,
A democracia das massas e a democracia das pessoas:
uma reflexão sobre a dificuldade contramajori-
tária, tese de doutorado, UERJ, mimeografada, 2014, p. 84.
15 A expressão consta do título do livro de Antoine Garapon,
O juiz e a democracia:
o guardião das promessas, 1999.
16 V. Ronald Dworkin,
A matter of principle
, 1985, p. 69-71. “O controle de constitucionalidade judicial assegura que as
questões mais fundamentais de moralidade política serão apresentadas e debatidas como questões de princípio, e não
apenas de poder político. Essa é uma transformação que não poderá jamais ser integralmente bem-sucedida apenas no
âmbito do Legislativo”.
17 John Rawls,
Political liberalism
, 1996, p. 212 e s., especialmente p. 231-40. Nas suas próprias palavras: “(A razão públi-
ca) se aplica também, e de forma especial, ao Judiciário e, acima de tudo, à suprema corte, onde haja uma democracia
constitucional com controle de constitucionalidade. Isso porque os Ministros têm que explicar e justificar suas decisões,
baseadas na sua compreensão da Constituição e das leis e precedentes relevantes. Como os atos do Legislativo e do Exe-
cutivo não precisam ser justificados dessa forma, o papel especial da Corte a torna um caso exemplar de razão pública”.
Para uma crítica da visão de Rawls, v. Jeremy Waldron,
Public reason and ‘justification’ in the courtroom
,
Journal of Law, Philosophy
and Culture 1:
108, 2007.
18 V. Kenneth Jost,
The Supreme Court from A to Z
, 2012, p. xx. Um número bem maior de leis estaduais e locais foi invali-
dado, superior a 1200, segundo o mesmo autor. Na Alemanha, apenas cerca de 5% das leis federais foram invalidadas. C.
Neal Tate e Torbjörn Vallinder (eds.),
The global expansion of judicial power
, 1995, p. 308.
19 Nesse sentido, apontando o fato de que juízes conservadores também atuam proativamente, a despeito da retórica
de autcontenção, v. Frank B. Cross and Stephanie A. Lindquist,
The scientific study of judicial activism. Minnesota Law Review
91:
1752, 2007, p. 1755: “Para alguns Ministros que professam a autocontenção, as evidências sugerem que em alguns ca-
sos sua jurisprudência coerentemente espelham a sua retórica (como o
Justice
Rehnquist). No entanto, para outros (
Justices
Scalia e Thomas), as evidências não confirmam suas posições retóricas acerca do ativismo judicial; estes Ministros não
costumam demonstrar uma abordagem de autocontenção. Em verdade, nos anos mais recentes (1994-2004), o que se tem
verificado é que o comportamentos dos juízes mais conservadores reflete uma orientação relativamente ativista, ainda que