

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 20, n. 1, p. 240 - 258, Janeiro/Abril. 2018
246
decisões não pode ser vista como uma manifestação estatal estéril, explicável
apenas em si mesma, de expressão do poder pelo poder.
Nesse ponto, não se pode confundir a capacidade de impor soluções
adjudicadas, de um lado, com uma espécie de prerrogativa absoluta na con-
dução do processo, de outro. Uma suposta ideia de que quem “manda” no
processo é o juiz seria de tal modo atécnica e distorcida que sequer mereceria
ser examinada sob a ótica científica. O debate sério estuda formas civilizadas
e aperfeiçoadas de solução de controvérsia. Para que as coisas se resolvam
pelo exclusivo e puro arbítrio do agente estatal não é preciso estudo do
Direito; menos ainda sistemático ou científico. Não há dúvida de que o
processo deve ser presidido por um terceiro imparcial e de que ele deve ter
capacidade de impor suas decisões aos sujeitos parciais. Não há dúvida de
que o andamento do processo não pode e não deve ficar apenas a cargo das
partes. Mas afirmar que convenções processuais simplesmente não poderiam
interferir com a forma de exercício do poder – seja estatal, seja dos árbitros
– é coisa completamente diversa. Aliás, pelo caráter dinâmico e complexo
da relação jurídica processual, seria altamente duvidoso – para não dizer im-
possível – que convenções processuais, ainda que restrita a posições jurídicas
das partes, interferissem, direta ou indiretamente, com o exercício do poder
pelo juiz – assim como ocorre perante os árbitros também.
Embora, como já foi dito e ressaltado, não seja correto simplesmente
colocar juiz estatal e árbitro no mesmo patamar, os dois agentes têm em
comum o exercício do poder. E, mesmo na arbitragem, há disposições que,
segundo judicioso entendimento, reputam-se simplesmente indisponíveis,
tal como ocorre em relação à alteração do objeto do processo
13
. O exemplo
é bem ilustrativo: a alteração, conquanto até pudesse se afeiçoar ao escopo
jurídico do processo, desafia o social, na medida em que retarda a solução da
controvérsia, inclusive pelos desdobramentos que a alteração pode ter sobre
contraditório, instrução e custos.
Aliás, a absoluta intangibilidade do poder do juiz – no confronto com
a vontade manifestada pelas partes – conflitaria com a ideia (embora tam-
bém ela imprecisa) de
colaboração
ou de
cooperação
(art. 6ª do CPC/15),
que, sob o ponto de vista lógico, pressupõe ao menos a possibilidade de uma
intervenção útil das partes na condução do processo – tal como, para ilus-
13 No âmbito do tribunal arbitral da Câmara de Comércio Brasil/Canadá não se admite disposição das partes em con-
trário. Da mesma forma, é mandatória cláusula segundo a qual o valor da controvérsia poderá ser revisto pelo tribunal.
Também é obrigatório que as comunicações sejam dirigidas ao endereço da Câmara, aos cuidados de sua secretaria, além
de haver uma série de regras relativas a honorários de árbitros e pagamento de despesas que não podem ser alteradas por
convenção das partes.