

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 20, n. 1, p. 209 - 223, Janeiro/Abril. 2018
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da pessoa com deficiência que, por causa transitória ou permanente, não
puder exprimir sua vontade.
Em consequência, os efeitos da extinção da incapacitação absoluta
nessas hipóteses acabam por atingir indiscriminadamente as relações jurídi-
cas existenciais e patrimoniais, gerando complexas questões quanto à aplica-
ção do CC. É o que se constata com relação à invalidade dos atos praticados
por pessoa com deficiência mental ou intelectual, os quais estão excluídos,
em princípio, da incidência do art. 166, I
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, visto que apenas os menores de
dezesseis anos são considerados absolutamente incapazes.
Igual indagação deve ser feita quanto à possibilidade de declaração
de nulidade do casamento, que somente pode ocorrer por infringência de
impedimento, conforme a vigente redação do art. 1.548
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do CC.
Como já se defendeu anteriormente
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, a afirmativa de que os direitos
da pessoa com deficiência, em particular os existenciais, são intangíveis há de
ser entendida nos limites da razoabilidade. O respeito a esses direitos não deve
significar o abandono da pessoa a suas próprias decisões, quando se sabe não
haver notoriamente condições de tomá-las, por causas físicas, sensoriais ou
mentais. Afinal, a preservação da plena capacidade das pessoas com deficiência
não se pode dar com sacrifício de
sua proteção e dignidade
.
Em consequência, a possibilidade de interdição do exercício dos di-
reitos, inclusive dos existenciais, deve ser admitida apenas em caráter excep-
cional, em decorrência e por força de previsão constitucional, através de
decisão judicial, sempre proferida para proteção ou benefício e no interesse
da pessoa com deficiência. O excepcional impedimento para prática de al-
gum ato poderá se dar também para proteção de terceiro, de que é exemplo
a criança, cujo superior interesse deverá prevalecer, conforme determina o
art. 23, 2, da CDPD. Lembre-se que a admissão da curatela, exclusivamente
para fins patrimoniais, já constitui medida extraordinária.
Destaque-se que o propósito da CDPD é promover, proteger e assegu-
rar o exercício pleno e equitativo de todos os direitos humanos e liberdades
fundamentais por todas as pessoas com deficiência e promover o respeito
pela sua dignidade inerente
(artigo 1). O exercício dos direitos existenciais,
20 Art. 166. É nulo o negócio jurídico quando: I - celebrado por pessoa absolutamente incapaz; [...]
21 O inciso I, do art. 1.548, que considerava nulo o casamento contraído pelo enfermo mental sem o necessário discerni-
mento para os atos da vida civil, foi expressamente revogado pelo EPD (art. 114).
22 BARBOZA, Heloisa Helena e ALMEIDA, Vitor.
A capacidade à luz do Estatuto da Pessoa com Deficiência
. In: Joyceane
Bezerra de Menezes. (Org.). Direitos das pessoas com deficiência psíquica e intelectual nas relações privadas. Convenção
sobre os direitos da pessoa com deficiência e Lei Brasileira de Inclusão. 1ed. Rio de Janeiro: Processo, 2016, pp. 249-274.