Background Image
Previous Page  215 / 308 Next Page
Information
Show Menu
Previous Page 215 / 308 Next Page
Page Background

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 20, n. 1, p. 209 - 223, Janeiro/Abril. 2018

215

2. As alterações do Código Civil: questões e soluções.

Na linha dos referidos debates, forte impacto provocou a nova reda-

ção dada ao art. 3ª da Lei Civil, que considera absolutamente incapazes de

exercer pessoalmente os atos da vida civil apenas os menores de 16 (dezes-

seis) anos. Afastada foi a menção à enfermidade, à deficiência mental, ou à

falta de discernimento como causa da incapacitação em diversos artigos do

CC, por ser discriminatória.

Cabe observar que a referência expressa à enfermidade ou à deficiência

mental, anteriormente existente no art. 3ª do CC, induzia presumir que a falta

de discernimento, situação que de fato nem sempre ocorre e que gera infindá-

veis discussões periciais

15

, sempre em prejuízo daquele que tem suas “faculda-

des mentais” questionadas. Como é notório, a simples dúvida em tais casos

imprime o estigma da “anormalidade”, ainda que a pessoa venha a ser conside-

rada “apta” para a prática de atos da vida civil. Servem de bom exemplo dessas

situações as enfermidades que se apresentam no processo de envelhecimento,

que nem sempre suprimem o discernimento. Contudo, para o senso comum,

pessoas acima de 75 ou 80 anos não podem praticar atos jurídicos, como fazer

ou alterar testamento, outorgar mandato e dispor de seus bens. Na verdade,

de certo modo, assim também entende o legislador, ao impor o regime da

separação de bens no casamento da pessoa maior de 70 anos

16

.

Por ser considerada igualmente discriminatória, foi modificada a re-

dação do art. 4ª do CC para excluir do rol das pessoas incapazes relativamen-

te a certos atos ou à maneira de os exercer: a) as pessoas que, por deficiência

mental, tenham o discernimento reduzido; e b) as pessoas excepcionais, sem

desenvolvimento mental completo

17

. Em lugar desses últimos, poderá ser

considerada relativamente incapaz toda e qualquer pessoa que, “por causa

transitória ou permanente”, não puder exprimir sua vontade.

Com essas alterações, o EPD dá fiel cumprimento à CDPD, ao re-

conhecer que as pessoas com deficiência gozam de capacidade legal

18

em

15 Os termos “deficiência mental” e a “discernimento” sempre foram de tormentosa interpretação e aplicação. Sensíveis

a essa dificuldade e à distinção não justificada, doutrina e jurisprudência haviam ampliado a aplicação do art. 1.772, hoje

revogado, a casos ali não expressamente previstos. Sobre o assunto ver ABREU, Celia Barbosa.

Curatela & Interdição Civil

.

2. ed., Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2014.

16 Código Civil, art. 1.641, II.

17 Restou inalterado o inciso IV relativo aos pródigos e substituída foi a palavra “índios”, constante da redação do vigente

parágrafo único, do art. 4º, pelo termo “indígenas”.

18 O EPD utiliza as expressões “capacidade civil” (art. 6º) e “capacidade legal” (art. 84), que se encontra na CDPD (art.

12, 2 a 4), e não alterou a designação “capacidade” existente no Código Civil. As citadas expressões são aqui consideradas

sinônimas e correspondentes ao termo “capacidade” de larga utilização pela doutrina brasileira.