

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 20, n. 1, p. 209 - 223, Janeiro/Abril. 2018
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2. As alterações do Código Civil: questões e soluções.
Na linha dos referidos debates, forte impacto provocou a nova reda-
ção dada ao art. 3ª da Lei Civil, que considera absolutamente incapazes de
exercer pessoalmente os atos da vida civil apenas os menores de 16 (dezes-
seis) anos. Afastada foi a menção à enfermidade, à deficiência mental, ou à
falta de discernimento como causa da incapacitação em diversos artigos do
CC, por ser discriminatória.
Cabe observar que a referência expressa à enfermidade ou à deficiência
mental, anteriormente existente no art. 3ª do CC, induzia presumir que a falta
de discernimento, situação que de fato nem sempre ocorre e que gera infindá-
veis discussões periciais
15
, sempre em prejuízo daquele que tem suas “faculda-
des mentais” questionadas. Como é notório, a simples dúvida em tais casos
imprime o estigma da “anormalidade”, ainda que a pessoa venha a ser conside-
rada “apta” para a prática de atos da vida civil. Servem de bom exemplo dessas
situações as enfermidades que se apresentam no processo de envelhecimento,
que nem sempre suprimem o discernimento. Contudo, para o senso comum,
pessoas acima de 75 ou 80 anos não podem praticar atos jurídicos, como fazer
ou alterar testamento, outorgar mandato e dispor de seus bens. Na verdade,
de certo modo, assim também entende o legislador, ao impor o regime da
separação de bens no casamento da pessoa maior de 70 anos
16
.
Por ser considerada igualmente discriminatória, foi modificada a re-
dação do art. 4ª do CC para excluir do rol das pessoas incapazes relativamen-
te a certos atos ou à maneira de os exercer: a) as pessoas que, por deficiência
mental, tenham o discernimento reduzido; e b) as pessoas excepcionais, sem
desenvolvimento mental completo
17
. Em lugar desses últimos, poderá ser
considerada relativamente incapaz toda e qualquer pessoa que, “por causa
transitória ou permanente”, não puder exprimir sua vontade.
Com essas alterações, o EPD dá fiel cumprimento à CDPD, ao re-
conhecer que as pessoas com deficiência gozam de capacidade legal
18
em
15 Os termos “deficiência mental” e a “discernimento” sempre foram de tormentosa interpretação e aplicação. Sensíveis
a essa dificuldade e à distinção não justificada, doutrina e jurisprudência haviam ampliado a aplicação do art. 1.772, hoje
revogado, a casos ali não expressamente previstos. Sobre o assunto ver ABREU, Celia Barbosa.
Curatela & Interdição Civil
.
2. ed., Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2014.
16 Código Civil, art. 1.641, II.
17 Restou inalterado o inciso IV relativo aos pródigos e substituída foi a palavra “índios”, constante da redação do vigente
parágrafo único, do art. 4º, pelo termo “indígenas”.
18 O EPD utiliza as expressões “capacidade civil” (art. 6º) e “capacidade legal” (art. 84), que se encontra na CDPD (art.
12, 2 a 4), e não alterou a designação “capacidade” existente no Código Civil. As citadas expressões são aqui consideradas
sinônimas e correspondentes ao termo “capacidade” de larga utilização pela doutrina brasileira.