

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 20, n. 1, p. 209 - 223, Janeiro/Abril. 2018
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pessoas no Brasil, o que corresponde a cerca de 24% da população brasilei-
ra
7
, as quais, até então, não contavam com normas específicas para atender
sua situação de vulnerabilidade, à semelhança do que já ocorre com outras
populações de vulneráveis
8
.
A maior alteração promovida pela CDPD consiste, sem dúvida, na
adoção do denominado “modelo social” em relação à deficiência. Afastam-
-se, assim, os paradigmas que anteriormente orientavam o entendimento
e as relações sociais e jurídicas mantidas com as pessoas com deficiência.
Cabe lembrar que durante séculos predominou o “modelo moral” ou “mo-
delo da prescindibilidade”
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, vigente desde a antiguidade. Concebido sob
matriz bíblica, portanto, francamente religiosa, “o modelo moral” percebe
a pessoa com deficiência como um indivíduo improdutivo, que nada tem
a contribuir para a comunidade, verdadeira carga a ser arrastada pela famí-
lia ou pela sociedade. A deficiência é um castigo dos deuses por uma falha
moral, um pecado cometido pelos pais da pessoa com deficiência ou uma
advertência quanto à proximidade de uma catástrofe.
Com o advento da Modernidade, época do predomínio do saber
científico, houve a substituição da divindade pela ciência, e a deficiência
passou a ser entendida como condição patológica, de natureza individual.
Consagra-se o “modelo médico” ou “modelo reabilitador”, segundo o qual
a pessoa com deficiência deveria ser “reparada”, para tornar-se, o quanto
possível, “normal” e, assim, aproximando-se das pessoas válidas e capazes,
ser produtiva. Para a ciência, as deficiências decorrem de causas naturais e
biológicas, mas são situações modificáveis, havendo possibilidade de me-
lhoramento da qualidade de vida das pessoas afetadas. Nessa perspectiva,
desenvolveram-se os meios de prevenção, tratamento e reabilitação, que aca-
baram vinculados à compreensão de integração
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como, aliás, se vê do art.
203, IV, da Constituição brasileira.
Embora os tratamentos médicos permitissem melhor qualidade de
vida e maior sobrevivência, principalmente para as crianças, fato é que, de
7 Dados sobre pessoas com algum tipo de deficiência, constantes do censo demográfico de 2010. Disponível ftp://
ftp.ibge.gov.br/Censos/Censo_Demografico_2010/Caracteristicas_Gerais_Religiao_Deficiencia/tab1_3.pdf Acesso
30.08.2014. Ver também Agencia Brasil, 29.06.2012. Disponível em
http://memoria.ebc.com.br/agenciabrasil/noti-cia/2012-06-29/pessoas-com-deficiencia-representam-24-da-populacao-brasileira-mostra-censo - Acesso 30.08.2015
8 Sobre a proteção especial de pessoas vulneráveis, permita-se a remissão a BARBOZA, Heloisa Helena
e
ALMEIDA,
Vitor.
A tutela das vulnerabilidades na legalidade constitucional
. In: Gustavo Tepedino; Ana Carolina Brochado Teixeira; Vitor
Almeida. (Org.). Da dogmática à efetividade do Direito Civil - Anais do Congresso Internacional de Direito Civil Consti-
tucional (IV Congresso do IBDCIVIL). 1 ed.Belo Horizonte: Fórum, 2017, v. 1, p. 37-50.
9 PALACIOS, Agustina.
El modelo social de discapacidad
:
orígenes, caracterización y plasmación en la Convención Internacional sobre los
Derechos de las Personas con Discapacidad
. Cermi. Madrid: Cinca, 2008, p. 37.
10 PALACIOS, Agustina.
El modelo social de discapacidad
, ob. cit., p. 67.