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R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 20, n. 1, p. 196 - 208, Janeiro/Abril. 2018

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Por isso, a necessidade de que, para se preservar a igualdade, também

nesses casos haja uniformização.

Mas, de fato, é um processo refinado o que leva a que se estabeleça

qual a

essência

dos casos, possibilitando que sejam postos lado a lado e de-

cidindo da mesma forma, quando os fatos não são iguais.

Quanto mais aparelhado for um sistema para reconhecer a identidade

essencial entre casos, cujos fatos não sejam absolutamente idênticos, mais

harmônico será o sistema e mais previsibilidade se conseguirá criar.

Para ilustrar a dificuldade de se fixarem os fatos que seriam real-

mente relevantes para um precedente, num caso extraído do

common

law

, é oportuno o exemplo

Donoghue v. Stevenson

[1932] A. C. 532.

Os fatos subjacentes a essa decisão eram os seguintes: uma viúva estava

com uma amiga em um café, e esta amiga lhe comprou um

iced drink

,

que lhe foi entregue pelo proprietário. Este colocou o sorvete em um

copo e derramou, sobre o sorvete, o conteúdo de uma garrafa opaca de

ginger beer

. Um pouco depois disso, essa viúva despejou sobre o sorvete

o que sobrava da garrafa e então viu que lá havia restos de uma cobra em

decomposição. Ela levou um choque e, em seguida, teve gastroenterite.

Em virtude disso, processou a Stevenson & CO. Argumentou-se que não

havia contrato entre eles e a tal viúva (Mrs. Donoghue) e que eles não

seriam responsáveis em relação a ela, por nenhum defeito do produto.

Entretanto, a

House of Lords

considerou que a empresa deveria, sim,

responder, porque teria um

duty to take a reasonable care

na preparação

e no engarrafamento da bebida.

15

Qual é a essência desse caso: um fabricante de bens tem o

dever

de

tomar precauções para não causar danos (=

duty of care

) em relação ao con-

sumidor último. Então, veja-se, o fato de se tratar da fabricação de bebidas,

o de se tratar de garrafas opacas, de a bebida ter sido consumida em um café,

todos foram desconsiderados como fatos essenciais integrantes da decisão.

Ou seja, houvessem sido outros, teria sido a mesma decisão.

O quão relevante teria sido, pode-se perguntar, que alguém tivesse

tido a oportunidade de inspecionar e checar a segurança para o uso, do

artigo em questão? E seria relevante o fato de se tratar de um conserto e

não de defeito de fabricação? Muitas dessas questões foram levantadas em

15 “Os ingleses preferem lidar com a noção de

duty

a lidar com a ideia de direitos (

rights

). E ficam mais à vontade para

falar em

remedies

, do que em

rights

”. No original:

Not only has English law generally been much happier in dealing with duties than

with rights, it has also, I think, clearly been happier in dealing with remedies than with rights

(P. S. Atiyah, Pragmatism and Theory in

English Law, The Hanlyn Lectures, Londres, Stevens & Sons, 1987, p. 21).