

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 20, n. 1, p. 196 - 208, Janeiro/Abril. 2018
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bem ilustrada com dois casos. Um, em que um paciente do Serviço Único
de Saúde pleiteia, diante do Judiciário, preferência na “fila” para transplante
de órgãos, em virtude da gravidade de seu caso e outro em que o paciente
pleiteia liberação da verba para um remédio caro que não consta da lista dos
fornecidos pelo Estado.
A essência dos problemas mencionados é saber se o Judiciário se pode
imiscuir a este ponto na atividade do executivo, correndo o risco de resolver
um problema e criar outros: salva a vida daquele que pleiteou em juízo ser
o primeiro da fila e causa a morte do primeiro que foi preterido; custeia o
remédio não oferecido e, para isso, usa verba dos remédios comuns para
gripe, que beneficiam toda a população
14
.
O segundo caso é o em que se nega indenização a uma parte de uma
gleba de terra que está sendo desapropriada, em que o proprietário plantava
psicotrópicos, pois, naquela medida, a propriedade não cumpria sua função
social. Se assim se decidiu, futuramente um caso em que o proprietário man-
tinha pessoas em regime de trabalho escravo em gleba desapropriada deve ser
resolvido da mesma maneira.
Esses casos são, evidentemente,
iguais
, no que tange ao seu
core
, à sua
essência jurídica.
Saber
quando
os casos são iguais, ou determinar
quais critérios
devem
fazer com que devamos considerar iguais certos casos, é um problema que
se põe de forma aguda justamente quando se pensa na vinculação por
iden-
tidade essencial
. Como disse antes, esta é a forma de vinculação que deve
haver em alguns casos, como, por exemplo, quando os tribunais decidem
casos envolvendo padrões flexíveis de decidibilidade, como conceitos vagos,
princípios jurídicos ou cláusulas gerais, em ambientes decisionais frouxos.
Trata-se de uma forma de vinculação que se aproxima consideravel-
mente à que se faz nos países de
common law
, quando se interpreta um
precedente. Nesses países, como é sabido, o juiz
faz a lei
,
cria a regra
. Ora, é
inescondível que quando o juiz brasileiro aplica a um caso concreto a norma
que contém, por exemplo, a previsão da
função social da propriedade
, esse
juiz também estará, numa certa medida
criando
direito, ao “preencher” a
norma já existente com peculiaridades da situação fática subjacente à decisão.
14 Sobre o tema, já tivemos a oportunidade de nos manifestar em trabalho escrito em co-autoria com Luiz Rodrigues
Wambier.
Direito processual civil.
São Paulo: RT, 2013. – (Coleção tratado jurisprudencial e doutrinário; v.1), n. 19, p. 303 e ss;
v., ainda Teresa Arruda Alvim Wambier. Políticas Públicas e a ingerência do Judiciário.
ReDAC,
ano 2, vol. 11, ago./2014,
133-146; e A uniformidade da jurisprudência como garantia do respeito à isonomia em matéria de políticas públicas.
Revista da Academia Paranaense de Letras Jurídicas
. Curitiba: Juruá, n. 3, 2014, p. 143-154.