

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 20, n. 1, p. 164 - 195, Janeiro/Abril 2018
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Grosso modo
, mais uma vez recairíamos na impossibilidade jurídica
do pedido, condição que o próprio Liebman veio a abjurar e a cujo respeito
já não cabe sequer questionar se integra o
meritum causae:
como a doutrina
em geral, a legislação vigente rendeu-se à evidência.
Idêntica é a situação do que pede providência cautelar sem apontar
a ocorrência de
periculum in mora
, ou sem identificar a lide a ser acaute-
lada. Com esforço, talvez se pudesse enquadrar tais hipóteses no elástico e
discutível conceito de impossibilidade jurídica do pedido, mas certamente
não no de ausência de interesse processual. A providência pretendida pode
corresponder a uma necessidade do autor e ter para ele uma clara utilidade
prática, no sentido de que o conduziria a um estado mais favorecido, mas
não lhe poderá ser deferida porque ele não cumpriu o dever ritual de moti-
var seu pedido. A
sentença
em tal sentido proferida será estritamente formal.
Também se têm ouvido sugestões – como já mencionado
en passant
– no sentido de haver-se incorporado à categoria do interesse o requisito da
possibilidade jurídica – que teria sido assim absorvido por aquele. A tal
proposta igualmente nego adesão. À parte a artificialidade do conceito, que
claramente invade o de mérito, se formos cogitar da categoria tacitamen-
te renegada mesmo por Liebman, ela dirá respeito, claramente, ao objeto
material do processo, isto é, ao que há para julgar, não às pessoas em favor
ou desfavor das quais se julgará, nem ao modo de sua atuação em juízo. A
verificação da possibilidade esgota-se no exame da relação de direito material
afirmada, sem precisar cogitar da qualidade ou do estado anímico das pesso-
as. Insisto: a verificação da possibilidade e a da legitimação (para demandar
ou simplesmente para pretender) não precisa da existência do processo, ou
sequer da presença de litígio. Ao revés, o interesse processual, resumidamente
cifrado na necessidade e utilidade da prestação jurisdicional para a parte
(e ainda, se isso for importante, a adequação), localiza-se basicamente na
atuação individual do autor
como tal
. Ao contrário dos outros requisitos,
só se pode investigar na perspectiva de um processo em concreto.
56
Reunir
um e outro pressuposto sob a mesma denominação ou categoria quebranta
a lógica comum e qualquer noção de sistema.
Um cuidado elementar, outrossim, é o de não se confundir o inte-
resse processual com aquele de Direito Material, tal como o afirma a parte.
Este interesse, o material, servirá, sim, à apuração da legitimidade para a
56 O interesse substancial é aquele que se afirma contrariado; o interesse processual é o que nasce dessa contrariedade
e da consequente precisão de atividade alheia para defini-lo e protegê-lo: cf.
L
uiz
F
ux
,
Curso de Direito Processual Civil
, p.
177, Rio de Janeiro, 2008.