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R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 20, n. 1, p. 164 - 195, Janeiro/Abril 2018

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quanto aos pressupostos de verificação, como se viu, é do processo (não pro-

priamente da ação) que decorre a necessidade de sua presença, e é com res-

peito ao processo que se faz a exigência. Na ação enquanto realidade preexis-

tente ao processo – poder de desencadear o exercício da jurisdição, tal como

a vê a doutrina predominante – ou como atividade do interessado frente ao

órgão jurisdicional, não haveria lugar para esse requisito, cuja necessidade

surge com o processo, no processo e por causa do processo. Por isso, a dou-

trina portuguesa (que em geral qualifica como questões de mérito as demais

“condições da ação”) situa o interesse processual entre os pressupostos.

68

A

questão posta, em suma, não diz respeito à ação, mas ao processo. Enquanto

não se estabelece a específica relação jurídica nova, resultante da provocação

do partícipe da relação de direito material, não se pode apurar a presença ou

ausência do interesse processual: se não há processo, não há como discutir se

alguém tem ou não interesse nele e no seu resultado.

Em regra, a lide é pressuposto do processo civil, ressalvados os casos

excepcionais em que, por força de lei, o provimento judicial é o único meio

possível de obtenção do bem da vida pretendido pelo autor (com exemplo

clássico na anulação de casamento). Ora, se a lide precede o processo e, no

comum dos casos, é pressuposto de sua formação, como realidade sociológica,

o requisito do interesse está

ipso facto

satisfeito, uma vez admitido que o con-

ceito de lide, correspondendo à fórmula original de Carnelutti,

contém entre

seus elementos

essenciais a

resistência

de um dos interessados à pretensão do

outro. Eis por que o mestre italiano, coerente com o seu sistema, em certo mo-

mento negou enfaticamente a existência dessa condição da ação, vendo nela

uma inutilidade equivalente à da “quinta roda do carro”.

69

Como grande parte

da doutrina posterior viria a rejeitar a teoria da lide em sua pura forma origi-

nal (por ser esse um fenômeno estranho ao processo), e tendo em vista, mais,

a possibilidade de processo sem lide (processo

necessário

, única fonte possível

do bem pretendido), manteve o requisito do interesse processual seu lugar

entre as condições da ação. Na verdade e a rigor, trata-se de um pressuposto de

exercício da jurisdição de mérito, pois o Estado não prometeu prestá-la senão

a quem dela necessite.

70

Não seria necessário, pois, ligá-lo ao direito de agir.

71

68 Por todos, cf.

M

iguel

T

eixeira de

S

ouza

,

Estudos sobre o novo processo civil

, p. 234. Lisboa, 1997;

J

oão

L

ebre de

F

reitas

,

Código de Processo Civil anotado

, p. 14, Coimbra, 1999;

id

.,

Introdução ao processo civil

, p. 39, Coimbra, 1996.

69

F

rancesco

C

arnelutti

, “Lite e processo”,

in Studi di Diritto Processuale

, tomo III, p. 43 e segs., Pádua, 1939.

70 É sempre pertinente a observação de

P

iero

C

alamandrei

,

Instituciones de Derecho Procesal Civil

, p. 192, Buenos Aires,

1943, trad. Santiago Sentis Melendo: normalmente, a observância do direito objetivo e, portanto, a satisfação dos interes-

ses individuais juridicamente protegidos, realiza-se sem necessidade dos meios judiciais. Como alhures ponderei, esses

meios é que constituem uma alternativa à solução

in bonis,

não o inverso.

71

L

iebman

teve um claro vislumbre disso ao tempo em que incluía a possibilidade jurídica entre as condições da ação: