

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 20, n. 1, p. 164 - 195, Janeiro/Abril 2018
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A compreensão do objeto do processo, das suas finalidades e do con-
ceito mesmo da
res iudicanda
e da
res iudicata
basta a tal constatação. Se o
credor (tolere-se que o chamemos assim) ou o devedor (com abuso da mes-
ma licença) é pessoa diversa daquela que figura como parte, a única relação
jurídica material cogitável, a afirmada na petição inicial,
inexiste.
Se alguma
semelhante houver entre o autor e terceiro ou entre terceiro e o réu, dela não
cuidará o processo e sobre seu mérito não cabe proferir julgamento. Quan-
do se diz que essa sentença não constitui coisa julgada, isso só é verdade no
respeitante à
imaginada
(mas não
julgada
!) relação de Direito Material entre
uma das partes e terceiro.
39
Entre os contraditores, e só entre eles, como é de
rigor, e com respeito ao único litígio submetido à jurisdição, o
caso julgado
formou-se, sim. Se Pedro afirmara ser credor de João, e veio-se a verificar
que, se João devia, era a Paulo e não a Pedro, ou que o possível devedor deste
era Mário, e não João, o que se decide
e transitará, sim, em julgado
é que
João não deve a Pedro,
e só
.
Por isso, e porque a eventual apreciação da relação material entre a
parte e terceiro se situaria no âmbito da motivação do julgado (se não for
obiter dictum
), e não no
decisum
, essa questão permanece inacessível aos
efeitos do decisório. A noção dos limites objetivos da
res iudicata
, e não
apenas a de seus limites subjetivos, explica essa imunidade, sem precisar-se
recorrer a qualquer artifício lógico, certo que as afirmações de fato e de di-
reito não transitam materialmente em julgado.
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Essa questão da coisa julgada, juntamente com a da jurisdição que
nesse caso se exerce ou não, constituiu uma das perdições da teoria majori-
tária. A suposição de não fazer
res iudicata
a “sentença de carência” liga-se
diretamente à ideia equivocada de serem estranhas ao mérito as questões
pertinentes às condições. É logicamente impossível separar a questão da
legitimatio ad causam
do núcleo central da demanda porque, tanto quanto
este, a pertinência subjetiva da ação decorre de escrutínio da relação de Di-
reito Material afirmada. E, mais, a conclusão pela ausência dessa condição
implica negativa de existência da relação jurídico-material
na forma e nos
termos
em que foi afirmada. O que significa, a salvo de toda contestação
ou dúvida, a rejeição da demanda, isto é, a denegação do bem da vida a
39 Com efeito, não se há de imaginar que “a demanda que o autor descreve na petição inicial pudesse ter seu mérito num
segundo processo e na lide de outrem!” Precisa e definitiva a observação de
O
vídio
A. B
aptista da
S
ilva
,
Curso de Processo
Civil
, vol. I, p. 91, Porto Alegre, 1987.
40 Cf., por todos,
J
oão de
C
astro
M
endes
,
Limites objectivos do caso julgado
, p. 79 e
passim
, Lisboa, 1968.