

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 20, n. 1, p. 164 - 195, Janeiro/Abril 2018
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Ora, por imperativo de coerência, os juristas que defendem a visão
trinômica da realidade processual (processo, ação, mérito) são os primeiros a
afirmar que nenhuma das condições da ação se pode confundir com a ques-
tão de fundo. Só assim se pode compreender, aliás, a própria formulação
da teoria das condições. Quando se sustenta a autonomia de uma categoria
intermediária entre as resoluções judiciais sobre existência e regularidade do
processo e aquelas pertinentes ao litígio preexistente, parece natural situar-
-se o problema do interesse na primeira dessas classes. Nada, absolutamente
nada liga esse problema ao
meritum causae
– ainda que, obviamente, seja
necessário saber
em que consiste
o mérito no caso concreto.
60
Essa evidência
aparece ainda maior quando se pensa no interesse-adequação – a saber, a
aptidão teórica do meio escolhido para alcançar o fim almejado.
61
Como
ponderou um dos grandes pensadores do Direito Processual, a relação de
adequação entre o instrumento e o fim pretendido é inquebrantável: a fer-
ramenta usada para obter certo resultado talvez não sirva à busca de um
outro. O cinzel com que se desbasta um bloco de pedra para produzir uma
obra de arte é diferente da marreta usada para obter paralelepípedos e, parti-
cularizando mais, o cinzel do Aleijadinho tinha que ser diverso do utilizado
pelo comum dos escultores.
62
9. Hipótese: o interesse de agir como questão de
mérito
Tem-se manifestado na doutrina a convicção de ser igualmente inte-
grante do mérito (tal como a possibilidade jurídica e a
legitimatio
) a questão
do interesse processual. Nesse sentido, calha o argumento de que, tal qual
ocorre em relação às demais condições da ação, também esta só se pode
averiguar mediante exame da intimidade da relação de Direito Material,
sem o qual não se poderia apurar a presença ou ausência da necessidade
60 O fato de necessitar-se considerar, ainda como hipótese, algum aspecto do mérito, não proporciona argumento con-
trário. Também para decidir sobre questões estrita e indisputavelmente processuais (
v. g
, relevada a repetição, a da com-
petência, a da eventual reunião de processos ou a do adiantamento de custas) é preciso saber e ponderar um mínimo, e
por vezes muito, do mérito.
61 Ao avaliar as condições da ação
in statu assertionis
, e eventualmente em momento ulterior, o juiz não dispõe ainda da
ciência dos fatos que lhe será proporcionada pelo debate e pela prova; sequer conhece, no primeiro caso, o que o deman-
dado tem a alegar. Terá de trabalhar com a hipótese de serem verdadeiras as alegações do autor: cf.
A
lexandre
F
reitas
C
âmara
,
Lições de direito processual civil
, vol. I, p.127, 8ª ed. Rio de Janeiro, 2002. Mas também não é rara, na experiência do
foro, a proclamação de “carência” quando a prova já se produziu e o processo está maduro para julgamento definitivo.
62 A metáfora é de
G
aleno
L
acerda
,
Comentários ao Código de Processo Civil
, vol. VIII, tomo I, p. 24-5, 7ª ed., Rio de Janeiro,
1998. Do mesmo autor, há um brilhante desenvolvimento desse
princípio da adequação
no artigo “O Código como sistema
legal de adequação do processo”, na coletânea por mim coordenada
Meios de impugnação ao julgado civil
, p. 252 e s. (iniciado
à p. 251), Rio de Janeiro, 2008.