

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 20, n. 1, p. 164 - 195, Janeiro/Abril 2018
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-se da existência ou ausência daqueles requisitos, em cada caso concreto (e,
tipicamente, é de casos concretos que se cuida no processo), não é preciso
ter-se ou sequer imaginar-se um
actum tria personarum
: é bastante o co-
nhecimento das posições relativas em seu estado natural de origem, aquele
definido pelo Direito substancial. Não se há de ignorar, por certo, os casos
em que a parte não é materialmente legítima, e ainda assim é parte no
processo,
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mas isso apenas serve a confirmar que a
legitimatio ad causam
é
ordinariamente questão de mérito que, como as outras dessa classe, resolve-
-se apenas no julgamento.
Dada uma relação estabelecida (ainda no plano estritamente mate-
rial) do tipo
(1)
“Ápio deve
x
a Bruno por haver-lhe este causado dano”,
pode-se desde logo saber quem são os figurantes dela e se a ordem jurídica
admite ou não, em tese, a existência desse vínculo como relevante do pon-
to de vista do Direito. Quando se afirma que
(2)
“Ápio deve
x
a Bruno
porque Caio lhe causou dano”, ou que
(3)
“Ápio deve
x
a Bruno por não
haver-lhe retribuído a saudação”, não se precisa esperar pelo processo, ou
sequer pela postulação em juízo, para constatar-se que a ordem jurídica
(
ainda antes da jurisdição
) não poderá dar socorro a Bruno. Tudo o que se
precisa saber para concluir sobre a relevância jurídica da relação em foco
e sobre a identidade dos seus figurantes está suficientemente esclarecido
na própria formulação de seu conteúdo – independentemente de qualquer
cogitação em torno de um eventual processo ou mesmo da existência de
algum litígio ou dissenso.
Seja no caso
(2)
, seja no
(3)
, não é preciso esperar pelo processo, sequer
pelo requerimento de sua instauração, para responder que o devedor seria
outro, ou que o conflito de interesses cogitado é indiferente (ou contrário)
ao Direito. Outra é a pauta lógica do interesse processual: para indagar-se de
sua existência, é indispensável colocá-la
na perspectiva do processo
; mais exa-
tamente, de um processo, de uma demanda já formulada. Só no momento
em que alguém busca submeter ao exame de terceiro (juiz estatal, árbitro, o
padre, o chefe, o que seja) a solução da controvérsia que se haja instaurado,
será possível apurar se o partícipe necessita dessa solução e se o meio esco-
lhido é apto a produzi-la. Bem por isso, o interesse de agir é dito
processual
,
para contrastar com aquele outro (o interesse de Bruno em receber pagamen-
to, ou o de Ápio em forrar-se a ele) cuja presença também se pode considerar
ínsita no enunciado mesmo da relação jurídico-material.
59 Cf. advertência de
B
etti
, obra ult. cit., p 96.