

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 20, n. 1, p. 164 - 195, Janeiro/Abril 2018
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tout court
.
31
De resto, como quer que seja, essa sutileza terminológica não
seria muito relevante nem na teoria do processo, nem no direito legislado
brasileiro, uma vez que dela independem os mais graves problemas ligados
ao perturbador conceito de carência da ação: suas ruinosas repercussões na
definição dos limites da coisa julgada material e do próprio conceito de
jurisdição – que, chega-se a afirmar, não se exerce em tais casos.
32
Segundo
a doutrina predominante, a visita que o julgador precisa fazer à relação de
direito material para aferir a presença ou ausência dessas condições seria
diversa daquela a ser feita para concluir pela procedência ou improcedência
do pedido: aí estão a suma e o sumo da doutrina eclética. Aquela teria o
objetivo de apurar se existe ação e se é caso de exercício da jurisdição.
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Esta
outra, o de orientar a decisão de mérito, no sentido de atribuir ou denegar
ao autor o bem da vida por ele buscado pela via do pedido mediato – admi-
tida aqui, a bem da simplificação e em sintonia com a doutrina majoritária,
a identidade entre
mérito
e
lide
.
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5. Possibilidade jurídica,
legitimatio ad causam
e
mérito
Antes de qualquer outra dúvida suscitada pela possibilidade jurídica
da demanda, uma primeira sempre inquietou a doutrina: seria mesmo logi-
camente possível apartar do mérito essa questão? Ainda antes: faria sentido,
a respeito de qualquer objeto, indagar se ele é possível ou não, para só de-
pois dirimir a questão de como ele é e o que é? E, sobretudo, seria razoável
afirmar-se que, quando se diz que a coisa não pode ser, continua viva a ques-
31 Sempre rigoroso em questões terminológicas – como convém –
J
osé
C
arlos
B
arbosa
M
oreira
sugeriu a adoção da-
quela denominação mais extensa:
O novo processo civil brasileiro
, p. 130, 8ª ed., Rio, 1988;
id
., “Legitimação para agir e indeferi-
mento da petição inicial”,
Temas de Direito Processual
, p.200 (iniciado ``à p.198). Mas a rejeição dessa proposta pelos puristas
é explícita e enfática:
v. g
.,
C
ândido
R
angel
D
inamarco
,
Instituições de Direito Processual Civil
, v. II, p 296, São Paulo, 2001.
32 Por todos,
E
nrico
T
ullio
L
iebman
,
Manual de Direito Processual Civil
, v; I, p. 154, trad. e notas de Cândido Rangel Dina-
marco, Rio, 1984. A convicção de não ser jurisdicional o ato extintivo vai afirmada ainda mais enfaticamente no manifesto
fundamental da teoria eclética “L’azione nella teoria del processo”,
in Problemi del processo civile
, p. 46-7, Nápoles, 1962.
33 O que leva a um impasse lógico invencível: para concluir-se que o autor “carece de ação”, é preciso que ele a tenha
exercitado. Segundo penso, “ao exercício regular do direito de ação basta o afirmar a existência de determinada situação
concreta, regulada pelo Direito, em tese idônea a obter tutela jurisdicional.” (
A ação declaratória incidental
, p. 27, 3ª ed. Rio,
1996). Preferível, pois, denominar os polêmicos requisitos de
condições de prolação da sentença de mérito
, como sugere
S
ergio
B
ermudes
,
Ensaios e pareceres
, p.199, São Paulo, 1994.
34
F
rancesco
C
arnelutti
,
Lezioni di diritto processuale civile
, v. IV, p. 9, Pádua, 1933,
id
.,
Sitema di diritto processuale
, v. I, p.
40; Pádua, 1938;
E
milio
B
etti
;
Diritto processuale civile italiano,
p. 445, 2ª ed., Roma, 1936;
H
umberto
T
heodoro
J
r
., “Pres-
supostos processuais, condições da ação e mérito da causa”, na
Revista de Processo
, n. 17, p. 43;
L
iebman
, “O despacho
saneador e o julgamento do mérito”, no vol.
Estudos sobe o processo civil brasileiro
, Rio de Janeiro, 1976;
B
uzaid
,
Exposição de
motivos
do CPC de 1939, n. 6 e nota 7;
id
.,
Do agravo de petição
, p. 104, São Paulo, 1956 . Em sentido diverso, questionando
essa identificação,
C
ândido
R
angel
D
inamarco
,
Fundamentos do processo civil moderno
, p. 199, São Paulo, 1986. Talvez mais
exato fosse dizer que o mérito é a parcela da lide que ingressou no processo, presente a distinção que o próprio
C
arne
-
lutti
fez entre processo parcial e integral.