

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 20, n. 1, p. 164 - 195, Janeiro/Abril 2018
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rá ao caroço da fruta sem antes descascá-la. Quase sempre, a própria sentença
stricto sensu
, pela qual o procedimento se encerra, contém disposições de
natureza formal, a mais dos temas de fundo – ainda que, na maior parte dos
casos, aquelas guardem forma implícita.
22
Pode-se representar graficamente
essa realidade por dois círculos concêntricos: o exterior correspondendo aos
assuntos de forma, entre eles os pressupostos processuais no sentido estrito;
o central, aos de mérito.
23
Pois bem: a doutrina predominante inclui nessa figura um terceiro
círculo concêntrico, a meio caminho entre o periférico e o nuclear. Trata-se,
para quem nisso acredita, de uma categoria intermediária de questões, entre
aquelas de forma e as de fundo, que participa um tanto de uma e de outra,
mas não se pode confundir com nenhuma delas. Em uma petição inicial
típica, escreve-se que o autor
pede
o bem da vida cuja disputa é o motivo
da controvérsia de fundo (um pagamento, a anulação de um contrato, certa
aclaração de uma situação jurídica duvidosa); por outro lado,
requer
a cita-
ção do demandado, a adoção de certo rito, a produção das provas indicadas
ou a indicar, a procedência da ação e assim por diante. Também nesse esque-
ma, são visíveis as duas categorias de provimentos pretendidos, as pertinen-
tes ao próprio instrumento manejado e aquelas respeitantes à atribuição do
bem jurídico em disputa. No intervalo, a concepção eclética da ação insere
um outro círculo, ao identificar a categoria intermediária das condições da
ação – concepção até tempos recentes pacífica na doutrina brasileira e ainda
hoje majoritária.
24
Ditas condições seriam três, na linha da proposta inicial de Lieb-
man e, mais remotamente, da italiana anterior:
25
a possibilidade jurídica do
pedido, a legitimação para a causa e o interesse processual – mas, como é
notório, a primeira delas vem sendo gradualmente abandonada. Isso ocor-
reu a partir do momento em que o próprio Liebman a desacreditou (sem
maiores explicações, aliás) ao omitir toda menção a ela na terceira edição
22 Versei o tema em conferência (ora em vias de publicação) sobre os capítulos da sentença, no seminário “Presente e
Futuro do Processo Civil brasileiro – homenagem a Cândido Dinamarco nos seus 80 anos”, promovido pelo IBDP em
São Paulo, agosto de 2017. O próprio
D
inamarco
é autor de livro excelente sobre o tema:
Capítulos de sentença
, 2ª tiragem,
São Paulo, 2004.
23 Esse símile, que usei no citado artigo “Extinção do processo e mérito da causa”, é particularmente ilustrativo da visão
do labor judicial em etapas sucessivas, lógicas quando não cronológicas.
24 Registrou-o
J
osé
C
arlos
B
abosa
M
oreira
, “Sobre os pressupostos processuais”,
in Temas do Direito Processual, quarta
série
, São Paulo, 1989.
25
G
iuseppe
C
hiovenda
,
Instituições de direito processual civil
, 1º vol., p. 69, trad. J. Guimarães Menegale, 2ª ed.. São Paulo,
1965 (com notas de Liebman e introdução de Buzaid) deixa perceber que já então era moeda corrente a existência de tais
condições – ainda na visão diversa de um concretista. Também assim
E
milio
B
etti
,
Diritto Processuale Civile italiano
, p. 153
e s., 2ª ed., Roma, 1936.