

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 20, n. 1, p. 164 - 195, Janeiro/Abril 2018
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procedimentalismo
.
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Liebman, antes do mais, teve o mérito de introduzir
nesse panorama uma visão nova do processo e difundir as ideias e contro-
vérsias acadêmicas em curso na Europa desde meio século antes, a que se
mantivera alheia a doutrina jurídica nacional. As fontes desta, até então,
pouco passavam da literatura portuguesa, por natural continuidade, e da
francesa, cujo fascínio era universal e irresistível. Nenhuma das duas estava
atualizada, a esse tempo, com a efervescente revisão do pensamento proces-
sual inaugurada a partir das proposições de Windscheid e Muther.
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Compreende-se perfeitamente que o poder de imantação das ideias de
Liebman tenha impregnado de forma tão intensa e persistente a doutrina
brasileira, desde seu tempo até nossos dias. Mesmo que sua passagem pelas
Arcadas tenha sido relativamente breve (de 1939 a 1946), o Mestre iluminou
com seu talento raro e sua clarividência de cientista os caminhos da proces-
sualística brasileira, que, se não eram virgens, jamais haviam sido percorri-
dos com enfoque propriamente científico. Se, antes dele, existiram no Brasil
processualistas, alguns de notável porte, só com ele se viria a inaugurar uma
escola da especialidade, a ocupar-se de método, teoria geral e formação espe-
cífica e orientada do pensamento. Um de seus mais fieis e próximos discí-
pulos expôs essa realidade em termos de insuperável clareza e precisão, sem
prejuízo da emoção de amigo e devoção de discípulo, em belíssimo artigo
com o qual lhe rendeu tributo.
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À valia intrínseca daquela inigualável contribuição, somou-se o fato
de haver a doutrina do grande processualista penetrado profundamente no
Código de Processo Civil de 1973, em passagens que, mais ou menos ex-
plicitamente, a ela remetiam, inclusive nos aspectos de que ora me ocupo
particularmente. O legado de Liebman
,
como é notório, impregnou intensa
e visivelmente os conceitos legais em que muitas vezes se aventurou aquele
diploma normativo, pela mão de seu discípulo Alfredo Buzaid
–
a quem
tocou
,
já na qualidade de Ministro da Justiça, encaminhar ao Legislativo o
7 Ressalva necessária: a pioneira contribuição de
F
rancisco de
P
aula
B
aptista
intuiu algumas das descobertas, divulgadas
anos depois, dos fundadores europeus da ciência do processo. É de 1855 a primeira edição de seu
Compêndio de teoria e
prática do processo civil
(cuja edição mais citada é de São Paulo, 1988). Sobre isso, cf.
A
lfredo
B
uzaid
,
Atualidades de um
velho processualista
, São Paulo, 1950, fascículo sem outras indicações. (Tenho notícia de publicação desse artigo no volume
Grandes processualistas
, São Paulo, 1982, ao qual não tive acesso).
8
G
iovanni
P
ugliese
enfeixou os principais textos pertinentes no volume
Polemica intorno all’actio
, com esclarecedora intro-
dução – Florença, 1954. Existe uma tradução castelhana de Tomás A. Banzhaf:
Bernard Windscheid; Theodor Muther, Polémica
sobre la “Actio”,
Buenos Aires, 1974, mais frequentemente citada entre nós.
9
A
lfredo
B
uzaid
, “A influência de Liebman no direito processual civil brasileiro”, na Revista da Faculdade de Direito da
Universidade de São Paulo, v. 72, n. 1 (1977), p. 131 e segs. – também publicado no v. I dos
Studi in onore di Enrico Tullio
Liebman
, Milão, 1979.