

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 20, n. 1, p. 164 - 195, Janeiro/Abril 2018
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A exposição que se segue não representa, de modo algum, abandono
dessa convicção. Para investigar a natureza do interesse de agir, inclusive
no quadro e na perspectiva das condições da ação, preciso necessariamente
pôr-me no ponto de vista dos que nelas acreditam. Não poderia discutir
se o lobisomem pertence ou não à categoria dos fantasmas sem admitir
primeiro a hipótese de que estes existam. Obviamente, estão envolvidas pre-
missas discutíveis e que precisarei analisar e eventualmente questionar, mas,
à semelhança do
juízo hipotético
4
que a doutrina predominante atribui ao
magistrado quando delibera sobre as condições da ação, devo supor em um
primeiro momento sua existência como categoria jurídica.
Anoto que o vigente Código de Processo Civil, cuidadosamente,
omite referência às tais condições como categoria genérica: pode ser que
o legislador, talvez ingenuamente, tenha pensado fugir à controvérsia in-
findável.
5
Mas continuou a incluir entre as sentenças
terminativas
(isto é,
pronunciadas sem julgamento do mérito) aquelas onde se constata ausência
de legitimação ou de interesse (art. 485, VI). Na verdade, não se reduziu o
vulto nem se modificou a face do problema. A polêmica que prossegue e
prosseguirá é aquela mesma entabulada sob a vigência do antigo art. 267, VI,
sequer atenuada pela redução das condições a duas. A recapitulação desses
temas será, pois, imperiosa, inclusive com alusão ao renegado requisito da
possibilidade jurídica, para permitir a visão integral da categoria em sua
conformação plena.
2. A doutrina processual brasileira predominante
A doutrina mais prestigiada entre os processualistas do País tem-se
mantido fiel às lições de Enrico Tullio Liebman, ditadas durante sua perma-
nência no Brasil e lapidadas mais tarde por ele próprio e por seus discípulos
da chamada Escola Paulista.
6
Os estudos brasileiros sobre o processo civil,
antes dele, tratavam a disciplina como simples capítulo do Direito Civil, a
ela aplicando os princípios deste e limitando-se, em geral, a uma visão de
4 A expressão, frequentemente repetida, é antiga na doutrina:
v. g
.,
E
milio
B
etti
,
Diritto processuale civile italiano
, p. 84, 2ª
ed., Roma, 1936.
5 Na Comissão de Juristas pela qual foi elaborado o anteprojeto, defendi que se deixasse de vez à doutrina toda a matéria
pertinente ao tema, mas, já então e também no ponto, prevaleceu uma solução diplomática, de compromisso: sem referir
o gênero, fez-se menção às duas espécies ainda reconhecidas.
6 Machado Guimarães, com referência a essa Escola, cuja denominação começava a difundir-se, disse a Barbosa Moreira,
com quem caminhava na praia, que declarava fundada a Escola Processual de Copacabana. Indagado sobre quem seriam
seus integrantes, respondeu: “Você e eu”. O relato é do querido Zé Carlos, que recentemente perdemos. Registro-o como
sentida e saudosa homenagem aos dois eméritos juristas, cuja grandeza não excluía o bom-humor.