Background Image
Previous Page  166 / 308 Next Page
Information
Show Menu
Previous Page 166 / 308 Next Page
Page Background

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 20, n. 1, p. 164 - 195, Janeiro/Abril 2018

166

A exposição que se segue não representa, de modo algum, abandono

dessa convicção. Para investigar a natureza do interesse de agir, inclusive

no quadro e na perspectiva das condições da ação, preciso necessariamente

pôr-me no ponto de vista dos que nelas acreditam. Não poderia discutir

se o lobisomem pertence ou não à categoria dos fantasmas sem admitir

primeiro a hipótese de que estes existam. Obviamente, estão envolvidas pre-

missas discutíveis e que precisarei analisar e eventualmente questionar, mas,

à semelhança do

juízo hipotético

4

que a doutrina predominante atribui ao

magistrado quando delibera sobre as condições da ação, devo supor em um

primeiro momento sua existência como categoria jurídica.

Anoto que o vigente Código de Processo Civil, cuidadosamente,

omite referência às tais condições como categoria genérica: pode ser que

o legislador, talvez ingenuamente, tenha pensado fugir à controvérsia in-

findável.

5

Mas continuou a incluir entre as sentenças

terminativas

(isto é,

pronunciadas sem julgamento do mérito) aquelas onde se constata ausência

de legitimação ou de interesse (art. 485, VI). Na verdade, não se reduziu o

vulto nem se modificou a face do problema. A polêmica que prossegue e

prosseguirá é aquela mesma entabulada sob a vigência do antigo art. 267, VI,

sequer atenuada pela redução das condições a duas. A recapitulação desses

temas será, pois, imperiosa, inclusive com alusão ao renegado requisito da

possibilidade jurídica, para permitir a visão integral da categoria em sua

conformação plena.

2. A doutrina processual brasileira predominante

A doutrina mais prestigiada entre os processualistas do País tem-se

mantido fiel às lições de Enrico Tullio Liebman, ditadas durante sua perma-

nência no Brasil e lapidadas mais tarde por ele próprio e por seus discípulos

da chamada Escola Paulista.

6

Os estudos brasileiros sobre o processo civil,

antes dele, tratavam a disciplina como simples capítulo do Direito Civil, a

ela aplicando os princípios deste e limitando-se, em geral, a uma visão de

4 A expressão, frequentemente repetida, é antiga na doutrina:

v. g

.,

E

milio

B

etti

,

Diritto processuale civile italiano

, p. 84, 2ª

ed., Roma, 1936.

5 Na Comissão de Juristas pela qual foi elaborado o anteprojeto, defendi que se deixasse de vez à doutrina toda a matéria

pertinente ao tema, mas, já então e também no ponto, prevaleceu uma solução diplomática, de compromisso: sem referir

o gênero, fez-se menção às duas espécies ainda reconhecidas.

6 Machado Guimarães, com referência a essa Escola, cuja denominação começava a difundir-se, disse a Barbosa Moreira,

com quem caminhava na praia, que declarava fundada a Escola Processual de Copacabana. Indagado sobre quem seriam

seus integrantes, respondeu: “Você e eu”. O relato é do querido Zé Carlos, que recentemente perdemos. Registro-o como

sentida e saudosa homenagem aos dois eméritos juristas, cuja grandeza não excluía o bom-humor.