

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 20, n. 1, p. 148 - 163, Janeiro/Abril 2018
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A conclusão aplica-se inclusive às questões de ordem pública, pois
deve haver correspondência absoluta entre o âmbito do diálogo desenvol-
vido entre os sujeitos do processo e o conteúdo da decisão final. Sem isso,
inexiste aquele mínimo indispensável ao direito de defesa, que se identifica
com a possibilidade concreta de as partes influírem na formação do conven-
cimento do juiz.
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Mesmo a liberdade na aplicação da regra jurídica deve ser examinada
à luz do contraditório. O brocardo
iura novit curia
significa a possibilidade
de o juiz valer-se de norma não invocada pelas partes, desde que atendidos
os limites quanto ao pedido e à causa de pedir. Isso não significa, todavia,
desnecessidade de prévia manifestação das partes a respeito, mesmo por-
que muitas vezes o enquadramento jurídico do fato implica consequências
jamais imaginadas pelas partes. Justificável, portanto, a preocupação com
a efetividade do contraditório, inclusive quanto à matéria cognoscível de
ofício. Basta lembrar das relações de consumo, cujos efeitos, inclusive no
âmbito processual, são profundamente diversos daqueles decorrentes de si-
tuações regradas pelo direito das obrigações.
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Em boa hora, o NCPC acolheu tais ponderações, inserindo diversos
dispositivos em que o prévio contraditório é necessário sempre, mesmo se a
matéria a ser levada em conta na decisão for cognoscível de ofício (cfr., entre
outros, arts. 9ª, 10, 487, parágrao único).
v
nel quadro..., p. 1.071). O contraditório representa, em última análise, a igualdade substancial das partes no processo.
Embora tenha a mesma função do direito de ação - assegurar o pleno acesso ao Poder Judiciário-, não visa à produção de
efeitos externos. O .escopo do contraditório é garantir internamente “a tutte le parti un’equivalente possibilità di incidire
sulla formazione della decisione giurisdizionale (senza riguardo a quel che debba poi essere, in concreto, l’esito del giudi-
zio) (Comoglio, Ferri e Taruffo, Lezioni, p. 69).
31 Cfr. Comoglio, Contraddittorio, p. 26-27. Com bastante clareza, conclui ele que admitir determinada solução sem a
prévia manifestação das partes, mesmo aquelas cujo exame de ofício é possível, importa conferir significado ilusório ao
direito de defesa. Para que o contraditório seja pleno e efetivo, deve realizar-se antes da decisão, sob pena de nulidade.
Trata-se de exigência de um processo justo e leal, sem surpresas para os participantes.
32 Adequada a lição de Carlos Alberto Álvaro de Oliveira: “Dentro da mesma orientação, a liberdade concedida ao
julgador na eleição da norma a aplicar, independentemente de sua invocação pela parte interessada, consubstanciada no
brocardo
iura notiv curia
, não dispensa a prévia ouvida das partes sobre os novos rumos a serem imprimidos ao litígio em
homenagem ao princípio do contraditório. A hipótese não se exibe rara porque frequentes os empecilhos enfrentados pelo
operador do direito, nem sempre de fácil solução, dificuldade geralmente agravada pela posição necessariamente parciali-
zada do litigante, a contribuir para empecer visão clara a respeito dos rumos futuros do processo. Aliás, a problemática não
diz respeito apenas ao interesse das partes, mas conecta-se intimamente com o próprio interesse público, na medida em
que qualquer surpresa, qualquer acontecimento inesperado, só faz diminuir a fé do cidadão na administração da justiça. O
diálogo judicial torna-se, no fundo, dentro dessa perspectiva, autêntica garantia de democratização do processo, a impedir
que o poder do órgão judicial e a aplicação da regra
iura novit curia
redundem em instrumento de opressão e autoritarismo,
servindo às vezes a um mal explicado tecnicismo, com obstrução à efetiva e correta aplicação do direito e à justiça do caso
(Garantia do contraditório, p. 143). No mesmo sentido, Francisco Javier Esquiaga Ganuzas, “
Iura novit curia”
, pp. 31/36.