

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 20, n. 1, p. 164 - 195, Janeiro/Abril 2018
165
KEY WORDS
- Interest in acting; conditions of action; lack of action,
merit of the case.
1. Considerações preliminares
Tenho repetidas vezes manifestado meu convencimento de que as
chamadas condições da ação (ou, no mínimo, duas da trindade clássica
– possibilidade jurídica do pedido e legitimação à causa) são substan-
cialmente questões de mérito, a ele pertencendo e sendo dele insepa-
ráveis.
2
Quando, por falta de alguma delas, decide-se pela inviabilida-
de da pretensão manifestada, a doutrina majoritária identifica nisso a
chamada carência de ação, isto é, a inexistência dela, coisa que se tem
por diversa da sua improcedência e também da decisão sobre questão
processual. Não haveria dano maior à teoria do processo nem à prática
judiciária em manter essa distinção, não fosse pelas decorrências que
daí são extraídas: em caso de carência, (
a
) a decisão não produz coisa
julgada material e, pois, (
b
) o caminho continua livre para a renovação
da demanda. Nessa senda, de erro em erro, acrescentou-se (como im-
plicação necessária) que (
c
) o ato decisório em tal caso proferido não é
de jurisdição – o que levou a perplexidades ainda maiores e insolúveis:
como explicar e classificar esses provimentos estatais; o que exercitou
o malsucedido autor, se ação não havia? Continua sem resposta, a meu
sentir, a indagação de um dos nossos maiores processualistas – cuja
voz, no particular, está longe de ser isolada:
“Basta apresentar a mesma crítica que se fez à teoria civilista e à teo-
ria de Chiovenda, com ligeiras modificações: quando o juiz, depois de ter
sido desenvolvida larga atividade jurisdicional, conclui que o autor não tem
direito de ação, porque falta uma daquelas três condições,
como se explica a
movimentação da máquina estatal por quem não tinha o direito de ação?
”
3
O que se indaga, e a doutrina majoritária não tem alcançado responder, é a
natureza da atividade que o Estado desempenhou e que o próprio deman-
dante exerceu em face dele, no caso de se haver
decidido
(sim, decidido!),
à vista da provocação do interessado, que ele não tem ação – isto é, que
nenhum dos dois poderia ter atuado.
2 “Extinção do processo e mérito da causa”,
in
Saneamento do Processo – Homenagem ao Prof. Galeno Lacerda,
p. 15, Porto
Alegre, s/d [1990?]; ou
in Revista de Processo
, vol. 58, p. 7; ou
in Doutrinas essenciais de Processo Civil,
vol. 6
,,
p. 351, São Paulo,
2011; ou, ainda, em meus
Ensaios de Direito Processual
, p. 363, Rio de Janeiro, 2003.
3 Celso Agrícola Barbi,
Comentários ao Código de Processo Civil
, vol. I, p.23, 10ª ed., Rio de Janeiro, 1998. Com vee-
mência maior ou menor, também assim alguns expoentes da doutrina paulista:
J
osé
R
oberto dos
S
antos
B
edaque
,
Direito
e processo
, p. 98, São Paulo, 2007;
K
azuo
W
atanabe
,
Da cognição no processo civil,
p. 61, São Paulo, 1987.