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R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 20, n. 1, p. 148 - 163, Janeiro/Abril 2018

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fatos. De qualquer modo, essa controvérsia tem interesse muito mais teórico,

pois, na maioria das vezes, a correta indicação do fundamento jurídico é tão

irrelevante quanto a indicação do dispositivo legal, não obstante o disposto

no art. 319, III.

Percebe-se, pois, não ser tão simples e clara a distinção entre fato,

fundamento jurídico e fundamento legal. O mais importante, a meu ver,

consiste na extensão à causa de pedir próxima à liberdade conferida ao jul-

gador, quanto à identificação da norma jurídica aplicável.

Essa conclusão não afasta, todavia, a necessidade de compatibilização

com o princípio do contraditório. Não podem as partes ser surpreendidas

com a incidência de regra ou fundamento jurídico não cogitado.

6. CORRELAÇÃO E MATÉRIA COGNOSCÍVEL DE OFÍCIO

Ao examinar os elementos dos autos, pode o juiz identificar deter-

minados aspectos da relação jurídica processual ou material não suscitados

pelas partes, mas passíveis de cognição

ex officio

: a maioria dos pressupostos

processuais, condições da ação e nulidades absolutas, no plano processual;

prescrição e decadência, pagamento, nulidades do ato jurídico, no âmbito

substancial. O exame dessa matéria não depende de provocação das partes

(NCPC, arts. 278, parágrafo único, 330, 332, § 1ª, 337, § 5ª CC, arts. 168,

parágrafo único e 210).

Tais dispositivos, todavia, também devem ser examinados à luz da ga-

rantia constitucional do contraditório. Não obstante esse poder assegurado

ao juiz pelo legislador ordinário, ele deve exercê-lo em conformidade com o

postulado segundo o qual a todos é assegurada a ampla defesa.

Nessa medida, o exame de ofício de matéria de ordem pública, inclu-

sive de natureza processual, deve ser precedido de plena participação das par-

tes. Embora possa o juiz dela conhecer independentemente de provocação,

deve, antes de proferir decisão a respeito, submetê-la ao debate.

26

26 Na reforma do Código de Processo Civil italiano, realizada em 1990, o art. 183, § 3º, em sua nova redação, repete,

na verdade, o disposto no antigo § 2º. Determina ao juiz a indicação, na audiência destinada à discussão da causa, dos

aspectos

rilevabili d’ufficio

. Esse dispositivo foi objeto de intensa polêmica na doutrina, envolvendo o fenômeno da

terza

via di decisione.

Essa questão não foi objeto de tratamento pelo legislador de 1990, que não tomou posição a respeito, não

obstante a existência de regras específica em outros países. O § 278, 3, da ZPO, impede o juiz de decidir sobre questões

de direito não submetidas ao prévio contraditório das partes. No mesmo sentido, a regra do art. 16 do novo Código de

Processo Civil francês. A omissão de norma semelhante no Código italiano é criticada pela doutrina (cfr. Bruno Caponi,

Commento ai decreto-legge 21 giugno 1995, p. 774). No direito brasileiro anterior também inexistia previsão expressa a

respeito. O entendimento doutrinário, praticamente unânime, admitia a possibilidade de o juiz conhecer de ofício de de-

terminada matéria, independentemente de prévia manifestação das partes. Tal conclusão sempre me pareceu equivocada,

especialmente à luz das regras constitucionais sobre o contraditório e a ampla defesa, pois a participação constitui um

dos elementos fundamentais desses princípios. E participar, segundo lição de Dinamarco, significa preparar o julgamento,

influindo no espírito do juiz (cf. Fundamentos, p. 95).