

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 20, n. 1, p. 148 - 163, Janeiro/Abril 2018
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Na verdade, a regra legal acaba sendo critério de seleção dos fatos per-
tinentes ao caso, pois apenas os que compõem a descrição abstrata do legis-
lador integrarão a causa de pedir. Essa seleção já implica a valoração jurídica
e a consequente qualificação atribuída aos fatos. Na medida em que a visão
jurídica da matéria fática importa em subsunção desta à norma, difícil senão
impossível distinguir fundamento jurídico de fundamento legal.
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Assim, parece-me mais simples construir a ideia de
causa petendi
nos
seguintes termos: ao formular o pedido de tutela jurisdicional, o autor atri-
bui aos fatos por ele narrados aptidão para produzir determinados efeitos
jurídicos. Observados esses limites objetivos, ou seja, o fato e a respectiva
eficácia jurídica, pode o juiz aplicar regra diversa da invocada e até mesmo
invocar outra qualificação jurídica para justificar sua conclusão.
Nessa linha, a relevância dos fundamentos jurídico e legal está rela-
cionadada às consequências pretendidas pelo autor. Se o fundamento fático
subsumir-se a causa de pedir próxima (fundamento jurídico) diversa daquela
descrita na inicial, sem alteração no efeito prático buscado, está o juiz au-
torizado a conceder a respectiva tutela jurisdicional. Ao descrever o fato e
pleitear o efeito jurídico a ele inerente, caberá ao juiz extrair o fundamento
jurídico e legal a seu ver corretos, independentemente da indicação feita pelo
autor ou até mesmo de eventual omissão a respeito.
Admitida essa premissa, a causa próxima é determinada pelo pedido.
Senão, vejamos. Afirmo ter sido enganado pelo réu e, em consequência,
acabei realizando determinado negócio, mas não o faria se conhecesse a
realidade. Fui induzido em erro, portanto, pelos artifícios empregados por
ele. Em razão disso, quero a anulação do ato. Esse efeito constitui o bem da
vida a que, a meu ver, faço jus. Trata-se do denominado pedido mediato, a
ser obtido mediante tutela desconstitutiva (pedido imediato). Devo invocar
como fundamento jurídico (causa de pedir próxima) a figura do dolo. Mas
se, equivocadamente, atribuir a esses fatos o nome de vício de vontade diver-
so – erro, por exemplo – nada impede o juiz de acolher o pedido, apesar de
a descrição fática subsumir-se a outra regra abstrata.
Assim, conceber o fundamento jurídico simplesmente como a con-
sequência pretendida significa identificá-lo com pedido mediato. Melhor
considerar esse aspecto da
causa petendi
como a qualificação jurídica dos
25 Cfr. Francisco Javier Ezquiaga Ganuzas, “
Iura1 novit curia” y aplicación
, p. 78/80. Em seguida, observa o autor que o
interrelacionamento entre os fatos do caso e a descrição fática contida na norma são revelados pela operação destinada à
qualificação jurídica dos primeiros, para sua subsunção à regra legal: “Esta operación consite em determinar si los hechos
dei caso coinciden con los definidos em el supuesto de hecho normativo” (op. cit., p. 81).